O debate sobre o condômino antissocial
Em relação à aplicação das multas previstas nos artigos 1.336 e 1.337, do Código Civil, há entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que a reiteração no inadimplemento dos débitos condominiais caracteriza o condômino como nocivo ou antissocial, devendo ser aplicadas as penalidades pecuniárias cabíveis.
Antes de compreender-se a decisão em si, faz-se necessário entender do que se tratam as multas dos artigos mencionados. Veja-se:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
§ 1 o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
§ 2 o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Infere-se que, conforme mencionado em textos anteriores, existem obrigações necessárias aos condôminos, às quais pressupõem um direito subjetivo correspondente. Assim, sua violação incorre, diretamente, em multa prevista pela própria legislação.
O que se debate em tais decisões é a eficácia da multa prevista e outras sanções não antecipadas pelo legislador poderiam ser aplicadas. Nesse contexto, observa-se a decisão:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.247.020 – EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS artigos 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. De acordo com o artigo 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.
2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração.
3. A aplicação da sanção com base no artigo 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos.
4. A multa prevista no § 1º do artigo 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo artigo 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos.
5. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Raul Araújo dando provimento ao recurso especial, divergindo do relator, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e dos Ministros Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi acompanhando o relator, a Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Vencido o Ministro Raul Araújo, que dava provimento ao recurso especial. (Brasília – DF, Julgado em 15/10/2015, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão).
Assim, o Tribunal compreendeu que a reiteração de multas poderá ser considerada como comportamento nocivo do condômino, levando-o a incorrer na sanção prevista no artigo 1.337.
Ocorre que, o comportamento antissocial do condômino se verifica no parágrafo do artigo 1.337, levando a debates sobre o que de fato ele representaria, conforme transcrito a seguir:
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.
O legislador deixou, portanto, em aberto, o conceito de comportamento antissocial, levando a diversas interpretações pela doutrina e pela jurisprudência. Os debates não se encerram quanto o seu conteúdo, mas se estendem para os limites da aplicação de sansões diversas àquelas trazidas pela lei, chegando ao ponto de se considerar a possibilidade de expulsão do condômino pelo seu comportamento nocivo.
Em relação à possibilidade dessa aplicação de penalidades diversas das multas pecuniárias, notadamente a expulsão do condômino antissocial, cumpre informar que não há entendimento jurisprudencial pacificado, sendo possível encontrar decisões favoráveis e desfavoráveis ao cabimento de outros tipos de sanções nos Tribunais Estaduais. Contudo, deve ser considerado que muitos tribunais já vêm defendendo tal possibilidade, dependendo da gravidade e reiteração das condutas por ele apresentadas.
Dra. Luíza Athouguia Abdalla
OAB/MG – n° 200.947