Questões Preliminares à Elaboração do Contrato Social
Sem pretensão de exaurir o tema, o presente artigo enfrenta questões preliminares à elaboração do contrato social para a sociedade limitada, buscando traçar suas cláusulas essenciais e explicitando recomendações jurídicas para nortear as decisões a serem tomadas pelos sócios.
As previsões contratuais necessárias aos contratos sociais estão em sua maioria dispostas no Código Civil, especialmente, mas não unicamente, em seu artigo 997, que fixa um rol de conteúdos que merecem tratamento no ato constitutivo da sociedade.
Um dos temas que merecem atenção diz respeito ao prazo de duração da sociedade (art. 997, inciso II, CC/2002). É importante mencionar que, no caso de o prazo ser indeterminado, a retirada do sócio poderá se dar mediante notificação dos demais, com antecedência mínima de sessenta dias, conforme art. 1.029, do Código Civil de 2002. Por outro lado, em caso de prazo determinado, o sócio retirante deverá provar judicialmente justa causa, consequência que deve ser cuidadosamente avaliada antes da constituição.
Uma vez definido o prazo de duração, o contrato deverá mencionar o capital social da sociedade, estabelecendo “a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la” (art. 997, inciso IV, do Código Civil). Quanto ao modo de integralizar as quotas, vale ressaltar que pode ser feita de diversas formas: com bens – móveis ou imóveis, materiais ou imateriais –, dinheiro, entre outras. Na sociedade empresária limitada, porém, não se admite a contribuição em serviços, conforme previsão expressa do art. 1.055, § 2.º, do Código Civil: “é vedada a contribuição que consista em prestação de serviços”, enquanto nas sociedades simples há essa prerrogativa.
Registre-se que também não poderá ser indicada como forma de integralização do capital a sua realização com “lucros futuros que o sócio venha a auferir na sociedade”, conforme previsão do Anexo II da Instrução Normativa 38/2017 do DREI (item 1.2.10.6), visto que os resultados incertos retiram o caráter compromisso dessa prestação.
Seguindo a análise das cláusulas essenciais, o art. 997, do Código Civil, determina, ainda, que cabe ao contrato social estabelecer “as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições”.
Vale ressaltar que a atividade do administrador é personalíssima, não podendo outrem exercer suas funções (CRUZ, 2020). Nesse sentido, de acordo com o que dispõe o Código Civil em seu art. 1.060, a sociedade limitada “é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado”, às quais cabe, privativamente, o uso da firma ou da denominação social, ou seja, a possibilidade de atuar em nome da sociedade, exercendo direitos e assumindo obrigações (art. 1.064).
Dessa forma, para que um sócio possa adquirir o poder de administração da sociedade, deverá haver ato que o nomeie, precedido de deliberação assemblear.
Outro ponto primordial a ser traçado no contrato social diz respeito aos poderes e atribuições que podem ser exercidos pelos administradores. Isso porque, caso o contrato social silencie a esse respeito, aplicar-se-á as disposições do Código Civil, que prevê os poderes gerais de administração (art. 1.015, CC/2002).
Assim, caso seja vontade dos sócios delimitar os atos de gestão que podem ser praticados pelo administrador, deve haver cláusula específica constante em contrato social.
Tal delimitação de responsabilidade mostra-se relevante no que concerne à responsabilidade da sociedade limitada e do administrador por atos “ultra vires”. Nesse sentido, para maior proteção, recomenda-se que seja garantida publicidade da limitação de poderes, tendo em vista que pelo inciso II do art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil fica estabelecido que a sociedade não responderá pelos atos com excesso de poderes dos seus administradores “provando-se que a limitação de poderes era conhecida do terceiro”.
Por fim, cumpre ressaltar o importante tema que merece tratamento específico no contrato social, em que pese a ausência de menção no rol fixado pelo art. 997, do Código Civil: as consequências em caso de falecimento dos sócios.
Tal recomendação justifica-se pois, em caso de omissão, aplicar-se-á a regra prevista no art. 1.028, do Código Civil de 2002, a qual prevê a liquidação de suas quotas e a dissolução parcial da sociedade, contando com apuração de seus haveres e subsequente pagamento do valor devido para seus herdeiros.
Por isso, sendo vontade da sociedade adotar consequências distintas para o falecimento de um dos sócios, é necessário mencionar de forma clara e específica no contrato social.
Em síntese, verifica-se a importância do enfrentamento de questões preliminares à elaboração do contrato social, de forma a garantir maior segurança à relação contratual a ser firmada entre as partes, prevendo possíveis riscos e assegurando a adequação do instrumento constitutivo.
Atenta-se, nesse sentido, para a importância de uma assessoria jurídica especializada no momento de preparação de uma sociedade, de forma que as consequências de cada decisão dos sócios sejam previamente informadas, possibilitando, assim, que o contrato social da empresa reflita a vontade e as expectativas de seus integrantes.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm . Acesso em: 27 jun. 2020
Cruz, André Luiz Santa. Direito empresarial: volume único / André Luiz Santa Cruz Ramos. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 138.
Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984