Decreto Nº 14.735/2021 em Juiz de Fora estabelece dever de vacinação ao Servidor Público e institui falta disciplinar diante da recusa – Vamos conversar a respeito?
Notícia: https://www.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=72128
Inteiro Teor do decreto:
https://www.pjf.mg.gov.br/e_atos/e_atos_vis.php?id=86774
Na manhã da última terça-feira, dia 24, foi publicado o Decreto Executivo nº 14.735/2021, cujo teor, em resumo, prevê o “o dever de vacinação contra a COVID-19 de servidores e empregados públicos e ocupantes de função pública da Administração Direta, Autarquias e Fundações”. Em contrapartida à recusa, o Decreto institui esta prática/recusa como falta disciplinar passível de sanções que, por sua vez, são as mesmas já previstas no Estatuto do Servidor (Lei nº 8.710/1995).
Embora o decreto chame a atenção nas mídias locais e também fomente discussões em redes sociais dos diversos matizes, essa discussão não é nova para o Direito, porém, mesmo sendo antiga ainda não encontra uma resposta clara e objetiva na doutrina jurídica brasileira.
Mas não é pela ausência de resposta pronta que o profissional do direito desiste da discussão. Afinal, o que seria da hermenêutica sem os casos difíceis e sem as aparentes sobreposição de princípios ou, em uma teoria “mais nova”, dos standarts jurídicos?
O primeiro ponto a ser esclarecido é a necessária diferenciação entre obrigatoriedade da vacinação (dever de vacinar) e a vacinação forçada. O que o Decreto da Prefeitura de Juiz de Fora aborda é o dever de vacinação, portanto, não há estabelecimento de coerção física para a vacinação, no entanto, há previsão de que a recusa será considerada ato indisciplinar, fato que por si só viabiliza a recusa do servidor mediante a aplicação da sanção, ou seja, pode o servidor infrator insistir na recusa, desde que arque com as consequências de seu ato.
Sobre o dever de vacinação, mais especificamente para com a natureza jurídica do servidor público e sua relação com o vínculo de trabalho, vê-se uma larga interpretação favorável ao Decreto, isto é, ele se sustenta na conjugação do artigo 39, §3º com o artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal. Basicamente, o art. 39 indica que aos servidores será aplicável a regra do inciso XXII do art. 7º e, por sua vez, o art. 7º diz que são direitos (no sentido de direitos-deveres) dos trabalhadores o acesso real à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, ou seja, é poder-dever do servidor contribuir para a segurança e saúde do seu ambiente de trabalho. Essa estruturação é, em parte, reproduzida na Lei Orgânica do Município de Juiz de Fora, em seu art. 92.
Se é poder-dever para o servidor, é dever para os ocupantes dos cargos de gestão viabilizar os procedimentos e instrumentos necessários para fazer cumprir essas regras, seja no atendimento fiel às norma técnicas já existentes, seja na adoção de protocolos internos, o que notadamente depende das peculiaridades do ambiente de trabalho ou mesmo das circunstâncias do tempo ou do local de trabalho. Por exemplo, durante o ano de 2017/2018 regiões do sudeste brasileiro enfrentaram um surto de febre amarela, o que exigiu que empresas sediadas nos epicentros dessas regiões adotassem medidas que empresas fora desses epicentros não precisariam.
Entretanto, atualmente a “peculiaridade do caso” é nacional e urgente. É o caso da calamidade pública gerada pela pandemia da COVID-19. Juiz de Fora não foi e nem será a primeira cidade a adotar normas relacionadas ao dever de vacinação como o Decreto nº 14.735/2021, o que pode diferi-la da maioria das demais pelo Brasil é a iniciativa do Executivo, ou seja, ter ela sido instituída via chefe do Executivo, e não via Legislativo, tampouco de forma coordenada, o que certamente abrangeria os demais servidores públicos.
Sobre a competência do ente municipal para legislar a respeito do tema, creio que todo brasileiro antenado no noticiário vem acompanhando a guerra de versões sobre esse ponto. Retiradas as versões mais performáticas, tem-se que o STF reconheceu que através do pacto federativo vigente na Constituição, tanto Estados, União e Municípios detêm concorrentemente a competência para tratar do tema e, não menos importante, também reiterou a validade do “dever de vacinação” previsto mais recentemente na Lei federal nº 13.979/2020.
Pois bem, sendo razoável e constitucional o Decreto Executivo, inevitavelmente questões mais comezinhas surgem, sobretudo daqueles que se dedicam a encontrar agulhas em palheiros legislativos:
(a) O mesmo fundamento do Decreto poderá ser usado para exigir o dever de vacinação e sua consequente prova da vacinação para outras doenças cobertas pelo Programa Nacional de Imunização (PNI), tais como Hepatite B, poliomielite, febre amarela, sarampo, rubéola etc ?
(b) Qual o grau de discricionariedade do gestor público ao aplicar a sanção para o novo caso previsto no Decreto Executivo nº 14.735/2021, já que ele não foi incluído no Estatuto do Servidor, isto é, vigora de forma avulsa no ordenamento jurídico municipal?
(c) Os demais servidores que trabalham no mesmo setor de uma pessoa que se recusou se vacinar poderão alegar estarem expostos a agentes nocivos à saúde, permitindo-lhes reivindicar adicionais devidos ou mesmo o direito de não se expor ao convívio com esse servidor infrator?
Bom, se for para encontrar futuras celeumas o exercício de premonição é infinito, contudo, esse não é o objetivo do texto. O intuito foi convidar o leitor a uma interpretação livre opiniões meramente pessoais, oferecendo alguns respaldos nas leis e princípios constitucionais vigentes. Ao final e ao cabo, a forma mais eficaz para sairmos todos desse ciclo de renúncias de liberdades é a adoção de medidas conscientes, ordenadas e comunitárias.
Use máscara e, se possível, vacine-se.
Guilherme de Castro Pereira
OAB/MG 154.693 e RJ 208.219