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A cobrança do DIFAL após edição da LC 190/22 e a discussão sobre o princípio da anualidade

Em breves linhas, o Diferencial de Alíquota do ICMS (DIFAL) teve sua origem na busca pela maior justiça fiscal na partilha dos recursos advindos da tributação, inibindo o que se convencionou chamar de “guerra fiscal”, especialmente do e-commerce, pois passou a prever a partilha racional dos resultados da tributação do ICMS incidente nas operações transfronteiriças entre o estado de origem e de destino.

Fruto da Emenda Constitucional (87/15) que previu a alteração do elemento subjetivo da regra matriz de incidência tributária com a progressiva transposição das receitas resultantes do fato imponível ao estado de destino, essa mudança constitucional resultou, na prática, em um aumento expressivo na arrecadação desses estados.

De fato, a mudança produziu uma grande alteração na forma de arrecadação de receitas derivadas, uma vez que alterou o sistema que antes da Emenda 87/15 prévia a partilha da arrecadação do ICMS entre os estados origem e destino apenas em casos em que o consumidor final fosse contribuinte do imposto, passando a prever também essa modalidade de recolhimento (DIFAL) para os destinatários finais, também quando não contribuintes.

Desde então, aproveitando-se dessa oportunidade, os estados rapidamente firmaram o Convênio CONFAZ 93/15, o qual tratou com detalhamento da forma como se operacionalizaria o cálculo e incidência do DIFAL:

  1. ICMS origem = BC x ALQ inter
  2. ICMS destino = [BC x ALQ intra] – ICMS origem

Nessa senda, muitas discussões se iniciaram a partir da avaliação de que a regulamentação da incidência do DIFAL não respeitou a obrigatoriedade de edição de Lei Complementar, esta sendo única competente para normatizar a cobrança do tributo.

Instauradas as discussões do tema por meio das ADIns 5.464/DF, 5.469/DF e no RE 1.287.019/DF, conclui-se no ano passado o julgamento do STF, com a definição da tese de repercussão geral 1.093, segundo a qual “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional 87/15, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais“.

Em razão disso, fixou-se desde então o entendimento de que uma nova legislação deveria ser editada até 31/12/21, a fim de que sua incidência pudesse ser admitida após decorridos 90 dias de sua promulgação, estando, em tese, sanada a omissão legislativa e permitida a incidência do tributo já no ano de 2022.

Contudo, não obstante isso, mesmo tendo sido apresentado o PLP 32/2020 já em março de 2020 por autoria do Senador Cid Gomes e tramitado em regime de urgência, com encaminhamento pela Câmara dos Deputados à sanção presidencial em 20 de dezembro de 2021, apenas em 05 de janeiro de 2022 houve a publicação de sua conversão na Lei Complementar 190/2022, fato esse que gerou celeuma em toro de sua aplicação imediata.

Desde então inúmeras teses tem surgido em torno do tema, sendo a primeira delas instaurada pela ABIMAQ perante o Supremo Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7066 DF[1]), onde se rejeita a incidência da norma no ano de 2022 partindo da tese de que, em razão da necessária incidência do princípio da anualidade, haveria inconstitucionalidade no art. 3° da citada LC 190/2022 e portanto, a legislação somente poderia ser aplicada, a partir do ano de 2023.

Assim, ao dispor o art. 3° da referida LC 190/2022 que a “Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III, do caput, do art. 150 da Constituição Federal” a disposição feriu o princípio da anualidade, deduzindo-se por silogismo lógico, a necessária observância do referido princípio por interpretação literal do próprio artigo mencionado.

Traz-se aqui trecho central da argumentada tese:

Além disso, não é correta a interpretação constitucional do referido dispositivo que os Estados estão fazendo, pois a LC 190/22, ao determinar em seu próprio texto legal a observância ao artigo 150, III, “c”, o faz no sentido de dar segurança jurídica tributária ao contribuinte, porém o artigo 150, III, “c” deve ser lido com “olhos de ver”, ou seja, no referido dispositivo constitucional encontra-se também, além da necessidade de observância da anterioridade nonagesimal, há a necessidade de se obedecer, também, o disposto na alínea “b” do mesmo diploma constitucional, vale dizer, a chamada anterioridade geral ou “anual”, quando se é vedado cobrar imposto no mesmo exercício financeiro que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, como é o caso da Lei Complementar nº 190/22.”

Há, por outro lado, enfrentamento diametralmente oposto, como o caso do Estado de Alagoas que também ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7070 DF[2]) questionando a previsão do mesmo art. 3° da referida Lei Complementar, porém, atacando a necessidade de respeito à anterioridade nonagesimal, por reconhecer que a LC 190/2022 não veio instituir novo tributo ou majorá-lo, mas apenas regulou a partilha entre os resultados de uma modalidade tributária já existente.

A tese apresentada ventila argumentos que trazem à tona os próprios fundamentos apresentados pelo Ministro Alexandre de Moraes no julgamento da tese de repercussão geral 1.093, o que, espera-se, deverá ser enfrentado pelo Ministro que é Relator de ambas as ADIs, ainda que para ser relativizado e superado em eventual decisão contrária.

Fato é que a polêmica traduzida em uma discussão nascente e de grande repercussão ainda caminhará nos Tribunais e poderá ser objeto de afetação que demandará uma suspensão das demais ações em tramitação, porém, não estancará a enxurrada de pretensões que se iniciarão para garantia da controvérsia e efeitos modulatórios.

Muitos empresários sujeitos a essa modalidade de tributação (DIFAL) já se movimentam para iniciar discussões, dado que alguns Tribunais já vêm proferindo decisões e concedendo liminares favoráveis aos contribuintes, o que, certamente, não representa qualquer garantia de definitividade, mas ao menos permite também colher os frutos dessa tese que poderá trazer uma grande redução no pagamento desse tributo.

Dr. Homero Gonçalves

OAB/MG 99.915

[1] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6330827

[2] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6333675

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