A Duplicata Eletrônica Como Meio Garantidor de Segurança à Atividade de Antecipação de Recebíveis
A antecipação de recebíveis é uma das grandes ferramentas financeiras colocadas à disposição do empresário com o intuito de pagar eventuais contas em atraso, gerar fluxo de caixa ou outras aplicações, visto que, vendas realizadas com prazo superior a 30 dias poderão ser recebidas de imediato pela empresa.
Comumente, as vendas a prazo são antecipadas pelo empresário junto às instituições financeiras e/ou empresas especializadas através de duplicatas, que são uma das várias espécies de títulos de crédito e, conforme dita a Lei nº 5.474/1968, constituem-se como um título de crédito causal, ou seja, só pode ser emitida para documentar uma relação jurídica, em uma operação mercantil ou de serviço, servindo como prova de que o devedor se compromete a pagar determinado valor ao credor à vista ou a prazo.
Um dos pontos que mais prejudicam o fomento da atividade diz respeito às constantes fraudes na emissão das duplicatas. Podemos citar como exemplos comuns a emissão de duplicatas que não representem operações mercantis ou de serviços reais, ou, até mesmo, a antecipação da mesma duplicata através de duas ou mais instituições financeiras distintas, o que representa uma flagrante irregularidade.
Além de crime de Duplicata Simulada tipificado pelo artigo 172 do Código Penal, tais fraudes prejudicam o mercado como um todo, pois, em virtude do elevado risco assumido pelas instituições financeiras e/ou empresas especializadas, o acesso ao serviço pode ser restringido a algumas empresas, bem como as taxas envolvidas serão elevadas, fazendo com que, muitas vezes, o valor da operação não seja vantajoso ao empresário que, consequentemente, não terá acesso ao recurso necessário ao atendimento de suas necessidades, o que fatalmente onera o seu negócio.
Buscando dar mais segurança à emissão de duplicatas, houve a edição da Lei nº 13.775/2018, a qual dispõe sobre a emissão de duplicata sob a forma escritural, popularmente conhecida como duplicata eletrônica. E o que isso significa na prática?
Bom, o texto da Lei é muito claro em afirmar que a emissão de duplicata sob a forma escritural será feita mediante lançamento em sistema eletrônico de escrituração gerido por quaisquer das entidades que exerçam a atividade de escrituração de duplicatas escriturais, ou seja, o título de crédito será emitido através de um sistema digital de escrituração, com a intenção de se evitar as fraudes recorrentes nessa área.
Para tanto, os seguintes aspectos mínimos deverão ser escriturados: (a) apresentação, aceite, devolução e formalização da prova do pagamento; (b) controle e transferência da titularidade; (c) prática de atos cambiais sob a forma escritural, tais como endosso e aval; (d) inclusão de indicações, informações ou de declarações referentes à operação com base na qual a duplicata foi emitida ou ao próprio título; (e) inclusão de informações a respeito de ônus e gravames constituídos sobre as duplicatas.
No entanto, referido diploma legal deixa claro que as entidades que exerçam a atividade de escrituração deverão ser certificadas e autorizadas por órgão ou entidade da administração federal direta ou indireta, que, além disso, regulamentarão tudo o que foi disposto na Lei, incluindo aí a forma e periodicidade do compartilhamento de registros, à fiscalização da atividade de escrituração de duplicatas escriturais, aos requisitos de funcionamento do sistema eletrônico de escrituração e às condições de emissão, de negociação, de liquidação e de escrituração da duplicata emitida sob a forma escritural.
A competência para levar a efeito essa regulamentação ficou a cargo do Banco Central do Brasil, o que foi efetivado em 04 de maio de 2020 através da Circular nº 4.016 que dispõe sobre a atividade de escrituração de duplicata escritural, sobre o sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada a exercer essa atividade e sobre o registro ou o depósito centralizado e a negociação desses títulos de crédito, que deve ser observada por todos os envolvidos em tais operações.
O próximo passo a ser dado pelo Banco Central do Brasil diz respeito a questões mais técnicas, como é o caso da interoperabilidade que deve existir entre os sistemas das instituições registradoras, o que se daria através de uma convenção das escrituradoras.
Porém, vários anos após a aprovação da Lei n° 13.775/2018 tal objetivo ainda não foi atingido, pois, como afirmou o Diretor de Regulação do Banco Central Otávio Ribeiro Damaso em evento promovido pela CERC no meio do ano, “não dá para a gente achar que o mercado vai se combinar e achar uma solução, porque são ‘players’ que estão competindo”.
Ou seja, ainda que a passos lentos, estamos caminhando no sentido de ter um mercado de antecipação de recebíveis mais seguro para as instituições financeiras e empresas especializadas em antecipação de recebíveis, e, consequentemente, mais acessível e barato ao empresário que necessita e busca tal solução financeira.
Dr. Ricardo Canavan – OAB/MG 184.529