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A Nova Resolução do Conselho Federal de Medicina e a Medicina Baseada em Evidências (MBE)

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução CFM n.º 2.327, de 08 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a aplicação de terapêuticas reconhecidas no exercício da profissão médica. A nova Resolução busca impedir a proliferação de práticas pretensamente terapêuticas, cuja eficácia não tenha sido avaliada pelo CFM.

A norma editada reitera previsões já estipuladas em outras normativas do Conselho, consistindo em importante instrumento para balizar as regras de conduta voltadas à autonomia do profissional médico, notadamente na busca por tratamentos alternativos.

Com efeito, no âmbito do direito médico, a autonomia atribuída ao profissional deve ser interpretada de acordo com os preceitos que compõem o nosso ordenamento, na compreensão dos pilares dos direitos fundamentais previstos na Constituição (vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade — artigo 5º, caput), assim como os direitos da personalidade do Código Civil (vida, liberdade, integridade, sociabilidade, honra, imagem, nome, privacidade — artigo 11 a 21), os quais são invioláveis.

Neste debate, acerca dos limites da autonomia médica, assume relevo o conceito de Medicina Baseada em Evidências (MBE), a qual tem insurgido como parâmetro de atuação e conduta terapêutica fundamentada em em evidências clínicas científicas, resultantes de processos de produção e de revisão de conhecimentos,   preferencialmente    oriundos    de    achados em pesquisas clínicas metodologicamente  estruturadas.

A concepção busca integrar a experiência clínica individual à melhor evidência externa disponível, possuindo três pilares: (i) evidências científicas provenientes de estudos randomizados e metodologicamente consistentes; (ii) experiência clínica dos profissionais; (iii) preferência, consentimento e valores dos pacientes.

A adoção de condutas terapêuticas alinhadas com os critérios acima é acolhida pela legislação brasileira,  conforme previsão do art. 19-Q da lei 8.080/1990, acrescentado pela lei 12.401/2011, o qual estipula que na incorporação, na exclusão ou na alteração pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como na constituição ou na alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, devem ser consideradas as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo. O tema também tem sido acolhido em sede de decisões judiciais, para as quais a Medicina Baseada em Evidências (MBE) pode contribuir para a adoção de soluções guiadas pela melhor técnica.

Nesse sentido, é de suma importância que o processo de incorporação e aprovação de novas terapêuticas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), conforme previsto na Resolução n.º 2.327/2022, não permita que,  em  nome  da  autodeterminação  terapêutica,  sejam  incorporados  ao  sistema  de  saúde  e ofertados   à   população   novos   fármacos,   novos   produtos,   novos   procedimentos,   novas  tecnologias, novos protocolos clínicos e novas diretrizes terapêuticas cuja segurança, eficácia e acurácia estejam lastreadas em evidências com baixo grau de qualidade.

A atenção e estudo a este debate permite identificar que evidências científicas têm muito a contribuir para o atendimento do critério objetivo legal de incorporação de tratamentos e medicamentos.

Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984

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