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A tributação do ISS nas sociedades médicas uniprofissionais e os impactos de recente decisão do PUIL nº 3608-MG

As sociedades que desenvolvem atividades de natureza intelectuais têm por essência a prestação de serviços baseado na pessoalidade de seus membros, posto que estabelecidas em uma relação de confiança que, por isso, compreendem também uma responsabilidade igualmente pessoal daqueles que a desempenham a atividade em nome da sociedade.

Tal característica elementar é preservada, ainda que a estrutura patrimonial da sociedade seja regida pela responsabilidade limitada, fato esse que somente lhe outorga a proteção patrimonial em relação aos compromissos obrigacionais a que se vincula ordinariamente no contexto comercial em que atua, ou seja, perante credores e/ou prestadores de serviço por ela contratados (art. 983).

Os desdobramentos interpretativos que se sucedem a partir do caráter singular inerente à Sociedade Simples são fruto da expressa previsão contida no parágrafo primeiro, do art. 966, do Código Civil, cujas leituras enviesadas podem ocorrer em situações nas quais o pressuposto de aplicação da lei perpasse o reconhecimento da natureza jurídica do sujeito, ou seja, quando a sua qualificação em Sociedade Empresária ou Simples repercuta no regime jurídico a que se subordina.

Contudo, não é assunto recente a diferenciação entre as atividades intelectuais e comerciais, tendo já afirmado Cesare Vivante, em sua obra seminal “Instituições de Direito Commercial” que a segregação entre as atividades se deve ao interesse público e privados de fácil diferenciação.

Todavia, para manter fora de qualquer suspeita o exercício de algumas profissões, leis há especiaes, que as declaram incompatíveis com o exercício do commercio… Outras vezes a interdição limita-se ao exercício de algumas ramos do commercio, por motivos de ordem pública ou de interesse privado que comprehendem facilmente: assim aos advogados é prohibido o exercício da mediação,..[1].”

Erasmo Valladão apresenta com igual clareza a singularidade da atividade que ampara a qualificação das Sociedades Simples, quando aduz que “fixado o critério distintivo no objeto social (e não no modo de atuar no mercado, como se dá com relação à pessoa natural do empresário), a natureza da sociedade não muda segundo sua performance financeira, estrutura ou organização; isso só ocorrerá na eventualidade de, em alteração contratual, mudar seu objeto.[2]

A celeuma relacionada aos atributos de qualificação das Sociedades Simples enquanto prestadoras de serviço de natureza intelectual, seja por sua vocação lucrativa, seja por sua performance financeira, foi afastada pelo julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 3608-MG, cujo entendimento se firmou no sentido de corroborar a melhor exegese do texto legal.

Afastando o dicrímen pela lógica da simples organização dos fatores de produção, intuito lucrativo ou caráter profissional, concluiu-se que a sociedade prestadora de atividade intelectual conserva seu caráter não empresarial ainda que constituída sob regime de sociedade limitada, registrada na Junta Comercial.

Definiu-se, com isso, que a incidência do regime tributário relativo às sociedades uniprofissionais, previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei n. 406/1968 seria aplicável a esses sujeitos, concedendo-os o direito de usufruir do benefício de recolhimento do ISS calculado pelo número de profissionais habilitados, independentemente de existência de colaboradores.

A partir desse importante julgado, consolidou-se o entendimento de que nos negócios “onde o labor dos sócios é fator primordial para o desenvolvimento da atividade, sem o qual não há como se cogitar qualquer prestação de serviço, ou mesmo o desenvolvimento do objeto social da pessoa jurídica, ou talvez, ainda, a sua existência” é direito da sociedade recolher o ISS pelo regime das sociedades uniprofissionais, conforme o número de profissionais habilitados.

Com base nisso, admite-se desde já a possibilidade de que as sociedades de natureza Simples que sempre recolheram o ISS calculado pelo sistema ad valorem, passem a reivindicar a repetição da diferença paga indevidamente a maior, eis que submetidas a regime de tributação pelo qual não havia segurança jurídica para sua adoção.

[1] VIVANTE, Cesare, Instituições de direito commercial, 2ª ed., Porto: Livraria Classica Editora, 1918, p. 34

[2] BARBOSA, Henrique; SILVA, Jorge Cesa Ferreira da, A evolução do direito empresarial e obrigacional: Os 18 anos do Código Civil – societário e direito de empresa – vol. 1, São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 157

Dr. Homero Gonçalves

OAB/MG 99.915

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