Supremo Tribunal Federal decidirá sobre hemotransfusão em pacientes Testemunhas de Jeová
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se os adeptos da religião Testemunhas de Jeová têm direito à recusa de tratamentos médicos que envolvam transfusão de sangue, em razão de sua consciência religiosa. No dia 25 de outubro de 2019, o Plenário da Corte reconheceu a repercussão geral de caso envolvendo paciente cujo procedimento cirúrgico foi condicionado à exigência de consentimento prévio para a realização de transfusões de sangue.
A paciente do Sistema Único de Saúde foi encaminhada à Santa Casa de Misericórdia de Maceió (AL) para realizar cirurgia de substituição de válvula aórtica e, por ser adepta da religião Testemunha de Jeová, solicitou que o procedimento fosse realizado sem transfusões de sangue de terceiros (sangue alogênico). Embora a equipe médica tenha concordado com a opção, a diretoria do hospital condicionou a realização da cirurgia à assinatura de termo de consentimento, o qual previa a realização de eventuais transfusões, caso necessário para garantir a sobrevivência da paciente.
A Turma Recursal dos Juizados Federais da Seção Judiciária de Alagoas manteve a decisão de primeira instância que negou o pedido da autora para fazer a cirurgia sem transfusões de sangue, com o fundamento de que não existem garantias técnicas de que o procedimento possa transcorrer sem riscos à vida.
Em sede de Recurso Extraordinário, a paciente alega, dentre outros fatores, que a medida ofende a sua dignidade e o seu direito de acesso à saúde. Acrescenta que, não obstante a necessidade de se resguardar a garantia fundamental à vida, assegurada pelo artigo 5º, caput, da Constituição Federal, também é necessário considerar outros direitos fundamentais pertinentes ao caso, tais como a autonomia da vontade e a inviolabilidade da consciência e crença.
A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema é de suma importância, tendo em vista que transcenderá os interesses subjetivos da causa, afetando toda a comunidade adepta da religião Testemunhas de Jeová. Dessa forma, serão fixados parâmetros para a atuação da classe médica e das instituições hospitalares em relação ao tratamento de pacientes cuja crença religiosa rejeita o contato com sangue alogênico, notadamente em situações que envolvam perigo à vida.
Registre-se que, até o momento, prevalece o entendimento de que, havendo iminente risco de morte do paciente, devem ser tomadas as providências necessárias para manutenção da sua vida, independentemente da sua vontade ou da vontade de seus representantes legais. Por outro lado, em relação aos casos que não representam risco, cabe aos profissionais da área médica realizar um planejamento prévio e apurado do procedimento anestésico e cirúrgico a ser adotado, buscando técnicas alternativas que possam substituir a hemotransfusão.
Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema terá o condão de estabelecer se, mesmo em caso de iminente risco à vida, o direito de recusa à hemotransfusão deve ser garantido e observado por todos aqueles que se relacionam com o paciente – médicos, enfermeiros, hospitais e Estado. Nessa toada, a possível mudança de paradigma na ética médica exigirá a análise pormenorizada do conteúdo dos dois principais direitos fundamentais que concorrem na hipótese em comento: direito à vida e direito à inviolabilidade da consciência e crença religiosa.
Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984