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A importância da adequação das empresas à Lei Geral de Proteção de Dados

Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18), em setembro/2020, a importância da conformidade das empresas à legislação no tratamento de dados pessoais foi acentuada, inclusive, pela possibilidade de sanções administrativas aplicáveis pela ANPD.
A definição de dados pessoais trazida pela Lei consiste na “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”, tratando-se de todos os dados que permitam a identificação da pessoa como nome, CPF, telefone, dentre outros tipos de dados cadastrais e informações que são coletadas diariamente pelas empresas no exercício de suas funções e merecem atenção e cuidado durante todo o tratamento.
Tratando-se de hospitais, clínicas, operadoras de saúde e demais empresas da área, a segurança do tratamento deve partir das mesmas premissas, reforçando-a, haja vista o tratamento de dados pessoais sensíveis, definidos pela Lei como o “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.
Ressalta-se que o (a) titular é sempre a “pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento”.
As obrigações dos agentes de tratamento estão definidas na Lei, principalmente a figura do (a) controlador (a) que coleta os dados pessoais e toma as decisões sobre o tratamento, bem como responde em caso de eventual incidente perante a ANPD, e do (a) operador (a) que atua em nome do controlador (a) realizando o tratamento nos moldes estipulados.
A responsabilidade do (a) agente de tratamento abrange com tamanha importância a garantia da segurança da informação, haja vista que incidentes de segurança como vazamento de dados ou ataques cibernéticos podem submeter os dados pessoais à exposição e gerar danos aos titulares.
Assim, evidencia-se a necessidade de adequação das empresas à LGPD de forma imediata, para a observância das bases legais no tratamento dos dados, a adoção das medidas de segurança técnicas e administrativas para a proteção dos dados pessoais, adequação dos contratos e documentações ao tratamento de dados em atendimento às disposições legais, a garantia dos direitos à informação e acesso do (a) titular sobre o tratamento de seus dados, definição de encarregado (a) pelo tratamento dos dados pessoais, a adoção de boas práticas e governança e o atendimento a todos os demais requisitos legais.
A conformidade com a Lei no tratamento dos dados pessoais já se revela requisito indispensável para contratações de caráter importante, haja vista que, com as figuras do (a) controlador (a), co-controlador (a) e operador (a), as responsabilidades precisam ser bem delimitadas nos contratos, assim como as cláusulas que demonstrem a compatibilidade das medidas a serem tomadas por ambos, às obrigações legais.
Alerta-se, ainda, que a ANPD tem realizado a tomada de subsídios para as definições relacionadas às sanções administrativas de forma que, em pouco tempo, as sanções começarão a ser aplicadas, o que revela a urgência da implementação de todas as medidas necessárias nas empresas.

Dra. Juliana Costa Martins

OAB nº 192.789

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É possível que empresas exijam de seus colaboradores a vacinação contra a Covid-19?

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que esse tema ainda não é pacífico nos tribunais, assim como não há nenhuma legislação específica quanto à obrigatoriedade da vacina da covid-19 propriamente dita.

Ademais, é relevante sublinhar a suspensão de dispositivos da Portaria 620 de 2021, pelo Ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu a liminar após as ADPFs (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental) 898, 900, 901 e 904 serem apresentadas ao Supremo Tribunal Federal. Uma das principais razões para a suspensão de tal Portaria, que proibia expressamente a exigência da comprovação da vacinação pelo empregador e qualquer prática discriminatória que tenha relação com a vacinação no âmbito do trabalho, foi a justificativa de que a vacinação consiste em uma medida indispensável de combate ao covid-19, e a presença de empregados não vacinados coloca em risco a saúde dos outros colaboradores que fazem parte das empresas.

Em adição, o Guia Técnico Interno do Ministério Público do Trabalho sobre a vacinação da covid-19, de 28 de janeiro de 2021, traz esclarecimentos sobre as legislações e decisões jurisprudenciais aplicáveis à questão.

Desse modo, o Guia esclarece que a Lei número 13.979/20 traz, em seu artigo 3º, inciso III, alínea ‘d’, que para enfrentamento da emergência de saúde pública de âmbito internacional decorrente da covid-19, é possível que as autoridades adotem, no âmbito de suas competências, a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas. A jurisprudência interpretou tal dispositivo no sentido de que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, logo, a implementação de tal texto normativo abre espaço para a adoção de medidas indiretas, como a restrição de realização de algumas atividades e admissão em determinados locais.

Além disso, é assegurado constitucionalmente, por meio do artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal, o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Nesse sentido, o artigo 157, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elenca que as empresas devem cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. O inciso II do artigo 158, também da CLT, determina que os empregados têm o dever de colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos do Capítulo, e assim devem, portanto, colaborar no cumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho. Ademais, o parágrafo único do referido artigo 158 estipula que é ato faltoso do empregado a recusa injustificada à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo 157.

É válido ressaltar, ainda, que a Lei número 8.213/91 dispõe, em seu artigo 19, parágrafo 1º, que a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

Diante do exposto, é importante pontuar que a vacinação é uma medida de enfrentamento coletivo da covid-19, mas que só consegue alcançar êxito se for adotada de maneira individual. Nesse âmbito, o Guia Técnico acima mencionado esclarece que a vontade individual não deve ser considerada em primeiro lugar em detrimento ao interesse coletivo, uma vez que coloca em risco não só as pessoas em contato direto com os trabalhadores contaminados pela covid-19 nas atividades trabalhistas, mas, também, a sociedade de forma geral. Portanto, considerando o artigo 8º da CLT, que determina “que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”, nenhum ponto de vista particular do empregado, seja ele de qualquer natureza, com exceção de situações excepcionais e devidamente justificadas, pode ser considerado em detrimento ao direito da coletividade de imunização, principalmente no contexto da pandemia de covid-19, que depende do esforço coletivo para proteção individual.

Pelas razões dispostas acima, resta claro que as empresas podem exigir a vacinação contra a covid-19, por ser um direito e, ao mesmo tempo, um dever. No entanto, a empresa não deve utilizar, de pronto, argumentos como a chance de haver a demissão por justa causa para que haja a adesão à vacinação. Essa é uma recomendação do próprio Ministério Público do Trabalho (MPT), que sublinha que o empregador tem um dever de informação sobre saúde e segurança do trabalho e sobre a aprovação da vacina pela Anvisa.

Dessa forma, o recomendável para as empresas, em primeiro plano, é conscientizar e orientar seus colaboradores da importância da adesão à vacinação e das consequências da sua recusa. O guia do MPT aponta, inclusive, que deve haver para isso uma compreensão, por parte das empresas, de que nosso contexto atual é permeado pela circulação considerável de notícias falsas. Dessa forma, os colaboradores podem ter acesso à tais notícias falsas e precisarem de esclarecimentos acerca das reais informações sobre as vacinas.

Caso o colaborador ainda assim permaneça com a recusa em se vacinar, deve-se demandar a justificativa. Se a justificativa for plausível, o MPT estabelece que a empresa deve tomar providências de proteção do trabalhador, como o regime do teletrabalho e, se o trabalho remoto não for possível, medidas de organização do trabalho, de proteção coletiva e individual, como máscaras, ventilação e álcool em gel.

Em caso de recusa injustificada, é necessário avaliar, primeiramente, o estado de saúde do trabalhador por avaliação clínica do médico do trabalho. E, se permanecer a falta de justificativa, é recomendado adotar, novamente, medidas de esclarecimento e informação sobre a importância da vacinação. Finalmente, persistindo novamente a recusa injustificada, é possível que seja adotadas sanções previstas na CLT ou no estatuto de servidores e o trabalhador pode ser afastado do local de trabalho em razão do risco oferecido à imunização coletiva.

Apenas em último caso, pode haver a despedida por justa causa, com fundamento, segundo o MPT, no artigo 482, alínea ‘h’, e artigo 158, inciso II, parágrafo único, alínea ‘a’, ambos dispositivos da CLT.

REFERÊNCIAS

Guia Técnico Interno do MPT sobre a vacinação da Covid-19 – Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf

“Ministro Barroso suspende portaria que impede demissão de trabalhador não vacinado”. STF, 2021. Disponível em:  https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=476523&ori=1

Dr. Lincoln Fagundes Netto Santos

Dr. Henrique Peixoto Vargas

Júlia dos Santos Acerbi

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Documentação nos processos de fusões e aquisições (M&A)

Apesar das variações terminológicas e extensa criatividade dos profissionais que assessoram negócios de fusões e aquisições, de maneira geral alguns documentos são considerados essenciais para o bom desenvolvimento de um bem-sucedido processo de negociação.

A maioria, senão todos esses documentos, tem por base o modelo usual de formatação de negócios que derivaram do sistema americano e europeu, daí o estrangeirismo do termo amplamente utilizado e conhecido por Mergers and Acquisitions (M&A).

De toda forma, há certo consenso fundamental nessas operações que as fazem convergir para uma ritualística que pode aparentar certo exagero ou preciosismo para leigos, mas que, ao contrário do que parece, tem grande relevância e protege grandemente os interesses em jogo.

Começando pelo contato que se estabelece entre o pretenso comprador e a empresa alvo, fruto do resultado de uma busca de potenciais ativos para aquisição (screening), muitos exigem, antes de se iniciar qualquer diálogo, a assinatura de termos de confidencialidade (non disclosure agreement – NDA) contendo cláusula de multa e limites de abertura dessas informações (disclosure).

Assim, para que as tratativas sejam estabelecidas, algumas iniciativas da parte vendedora (sell side) podem incluir um blind teaser ou um teaser aberto, a variar pelo nível de confidencialidade adotado nesse documento de apresentação.

Há situações em que a própria característica do negócio permite que as primeiras conversas sejam pautadas por documentos mais detalhados, sendo habitual a preparação pela parte vendedora de um company information memorandum (CIM – Infomemo) ou management presentation, ambos contendo informações que, nesse caso, revelam dados que requerem necessariamente a confidencialidade (NDA).

A partir desse momento, a parte compradora apresenta documentos de propostas que podem ter caráter vinculante (binding offer) ou não vinculante (non-binding offer), podendo, para isso, valer-se uma carta de intenções (letter of intentions -LOI) ou um term sheet. Contudo, o conteúdo desses documentos deve prever as premissas iniciais que, de fato, determinarão os principais objetivos do negócio.

Documentos como memorandos de entendimentos (memorandum of understanding –  MOU) são extremamente úteis para que eventuais ajustes formais que antecedem a efetiva celebração do contrato, sendo aplicáveis como recurso para formalização prévia de ajustes que refletirão no share purchae agreement (SPA) ou quota purchase agreement (QPA).

Contudo, esses documentos finais, sejam eles contrato de aquisição, acordos de acionistas, side letters, acordos de investimento ou desinvestimento, protocolos de fusão, incorporação ou cisão, etc, somente ocorrerão após superadas as diligências (due dilligences) pela parte compradora e parametrização da efetiva proposta, contendo condições para fechamento do negócio, estabelecidas pela parte vendedora.

Dada a complexidade dessas operações, invariavelmente haverá condições suspensivas ou resolutivas inclusas nos contratos, as quais poderão prever o diferimento entre a data de assinatura (sign) e fechamento (closing).

Desse forma, estando geralmente pautada por uma extensa lista de iniciativas de caráter jurídico, financeiro ou contábil conclusivos do negócio, antes deverão ser implementados tais atos para, enfim, utlimarem-se os atos de efetivo desembolso do comprador e recebimento por parte do vendedor.

Dr. Homero Gonçalves

OAB/MG 99.915

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Projeto de Lei n.º 1998/2020: quais são as possíveis alterações na regulamentação da Telemedicina?

Em 27 de abril de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n.º 1988 de 2020, que regulamenta a prática da telemedicina e estabelece os parâmetros para o atendimento remoto no país. O projeto, que agora tramita para aprovação pelo Senado Federal, busca atender à expectativa de uma legislação adequada aos avanços da tecnologia, notadamente diante do crescimento da realização de teleconsultas em decorrência da pandemia causada pelo vírus da Covid-19.

Cumpre ressaltar que, antes da edição da Lei n.º 13.989/20, a qual regulamentou o atendimento de pacientes à distância durante a pandemia, o Conselho Federal de Medicina (CFM) assumia o protagonismo na definição de parâmetros éticos relacionados à Telemedicina. O primeiro instrumento normativo a tratar do tema no Brasil foi a Resolução do CFM nº 1.643/2002, que fixou breves orientações para o seu exercício, autorizando apenas o suporte diagnóstico e terapêutico por médicos que emitem laudos à distância, em casos de emergência ou quando solicitado pelo profissional responsável pelo paciente.

Apenas em 2019 foi publicada a Resolução CFM nº 2.227/18, que buscou prever efetivos critérios para a prática no país, autorizando e regulamentando a prática da Teleconsulta (consulta médica remota), importante vertente da Telemedicina. Contudo, em razão do significativo número de propostas para alteração por entidades de saúde de todo o país, referida normativa foi revogada pouco tempo depois de sua publicação, sendo a antiga Resolução CFM n.º 1.643/2002 reestabelecida.

Com a eclosão da crise sanitária causada pelo Coronavírus no ano de 2020 e a inafastável necessidade de distanciamento social, mostrou-se imprescindível a adoção de medidas para regulamentação da Telemedicina em caráter emergencial, o que motivou a aprovação da Lei n.º 13.989/20. Porém, os avanços das tecnologias e dos atendimentos realizados pela via remoto durante a pandemia também conduziram à necessidade de uma legislação que pudesse regulamentar a prática para além do período emergencial, definitivamente incorporando a Telemedicina na rotina de saúde no Brasil.

Nesse contexto, o Projeto de Lei n.º 1998/2020 pretende alterar a Lei n.º 8.080/1990 para incluir capítulo destinado à Telessaúde, contendo importantes alterações que têm promovido intensas discussões entre parlamentares e entidades médicas de todo o país.

Em primeiro lugar, o texto original prevê ampla autonomia do profissional e paciente para estabelecer o meio de realização da primeira consulta, atendimento ou procedimento, tornando prescindível a realização da primeira consulta em caráter presencial. Do ponto de vista da relação médico-paciente, a medida é alvo de intensas críticas, em razão da importância do contato inicial presencial para reforçar a confiança no profissional para a condução do tratamento médico.

Outra importante discussão diz respeito aos valores atribuídos a consultas em modalidade remota, e da possível precarização do atendimento em virtude da cobrança de preços demasiadamente inferiores. Com efeito, o atendimento presencial implica em custos maiores relacionados à estrutura do atendimento, porém a redução do valor dos procedimentos da telessaúde não pode implicar em desvalorização dos serviços por pacientes e planos de saúde, sob pena da precarização do atendimento.

Por fim, outro ponto de conflito previsto no Projeto de Lei refere-se à limitação da atuação do Conselho Federal de Medicina (CFM), principal órgão regulamentador da atividade médica e que, por conseguinte, possui papel altamente relevante na definição de diretrizes éticas de atendimento. Com efeito, algumas previsões do texto legal poderão contrariar preceitos éticos consolidados e reafirmados pela entidade reguladora, tais como a relação médico-paciente, as diretrizes éticas para realização de um diagnóstico e realização de procedimentos.

Desse modo, em que pese a inafastável presença cada vez maior de novas tecnologias e o crescimento da Telemedicina, e a necessária adequação legal para incorporação dos atendimentos remotos, é necessário olhar cauteloso para as diretrizes previstas pelo PL n.º 1998/2020 e o fomento das discussões relacionadas ao tema, o qual merece estar ancorado em princípios éticos sólidos e consolidados.

Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984

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Por que preparar minha empresa para um processo de fusão ou aquisição (M&A)?

Independentemente do porte ou segmento em que o empresário atue, sempre é possível prepará-lo para um processo de venda total, parcial ou mesmo para um processo sucessório que concretize seu projeto de vida.

O que muitas vezes diferencia um(a) empresário(a) que analisa criticamente seus resultados pela ótica do produto e do cliente, de outro(a) empresário(a) que analisa seus resultados pela ótica do investimento e do retorno, é somente a forma como o ativo sobressai aos seus olhos; de fato, são todos investidores(as), em busca de retorno.

Assim, ainda que no princípio da vida empresarial a necessidade (ou objetivo) de ganhos imediatos encoraje o(a) empreendedor(a) a dispor de seu tempo e seus recursos para realizar um investimento em determinado negócio, sem pensar, a priori, pela perspectiva financeira, cada sujeito cultiva uma expectativa particular desse retorno e convive de forma diversa com o risco do investimento.

Diante disso, à medida que a consolidação de trabalho se converte em ganhos estáveis e a análise do custo de oportunidade passa a sofrer a influência da maturidade, a avaliação antes pautada unicamente pela perspectiva das necessidades pessoais imediatas entra em competição com outras possibilidades de retorno de investimentos, além de projetos de vida.

São inúmeras as razões que levam o(a) empresário(a) e pensar no futuro. No entanto, as maneiras para se cruzar cada uma das etapas que conduzem à decisão e consolidação de um projeto de vida exigem planejamento e uma preparação que nem todos(as) assumem de forma consciente e responsável.

Dessa forma, garantir que qualquer escolha se aproxime dos resultados pretendidos, impõe ao (à) empreendedor(a) valorar suas opções de forma racional, reconhecendo os riscos e os potenciais retornos que estarão diretamente envolvidos nessa decisão, antes de optar por outro investimento que não seja aquele que conhece e confia nos resultados.

Contudo, exatamente por tal razão, somente há efetiva escolha racional em relação àqueles bens que são oferecidos ao mercado em base de comparabilidade simétricas, com confiabilidade das informações e que, por isso, possuem os atributos necessários para uma avaliação e uma negociação com poucos desvios ou enganos que se convertam em perdas para esse investidor.

Portanto, para que o(a) empresário(a) decida racionalmente qual o melhor investimento, diante das possibilidades e riscos envolvidos em cada ativo, primeiramente deve conhecer a fundo suas próprias informações e ponderá-las diante dos riscos e retorno inerentes ao seu negócio, podendo, assim, compará-lo como tudo aquilo que se oferece no mercado como oportunidade.

Conhecer, desenvolver e aprimorar a conformidade dos processos internos, adotar instrumentos de Governança e cultivar uma cultura de profissionalização, de forma a tornar comparável o valor daquele empreendimento perante outros ativos ou negócios do mesmo (ou de outro) seguimento mostra-se como uma fórmula segura para se alcançar precisão no valor e tangibilizar as expectativas.

Por outro lado avaliar, conhecer e contingenciar os riscos do próprio negócio permite que a expectativa de valor desse negócio não se frustre em uma eventual avaliação da firma (valuation), permitindo assim que o tempo, capital e energia investidos retornem ao patrimônio do(a) sócio(a) em ganho proporcional à dedicação empreendida ao longo do tempo.

Dito tudo isso, certo é que muitas empresas, produtos e negócios são ativos de grande valor e têm enorme potencial para atrair a atenção de compradores ou investidores. Contudo, antes que se pretenda que o mercado reconheça espontaneamente seu preço e ofereça qualquer proposta, é necessário preparar o negócio e deixá-lo em plena conformidade, pronto para atrair o interesse de quem saber reconhecer um bom investimento.

Caso seja esse o objetivo do sócio, o próprio deve reconhecer que os instrumentos legais envolvidos nessas operações se aplicam desde a preparação da arquitetura societária, conformidade dos processos legais e estruturação da empresa para receber investimentos, iniciativas essas que resultarão em uma negociação de investimento e elaboração dos contratos venda facilitada pela previa preparação de sua estrutura.

Enfim, para aquele(a) empresário(a) que enxerga seu negócio como um ativo capaz de lhe retornar todo o tempo e capital dedicados, oportunizando assim verdadeira escolha entre permanecer nesse investimento ou buscar outras oportunidades, ainda que não tanto lucrativas, a profissionalização da gestão e preparação de sua estrutura empresarial representam diferenciais de grande valor.

Dr. Homero Gonçalves

OAB/MG 99.915

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Rol Taxativo ou Exemplificativo: entenda os efeitos do julgamento do STJ sobre o rol de cobertura mínima obrigatória da ANS

Na última quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou o julgamento que pretende decidir se o rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é exemplificativo ou taxativo. O caso é julgado pelo EREsp 1886929/SP e EREsp 1889704/SP, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, e considerado um dos mais importantes para o setor de saúde suplementar.

Para melhor compreensão do tema, cumpre ressaltar que a Constituição Federal de 1988, nos artigos 198 e 199, consagra o Sistema Único de Saúde (SUS) como responsável pelas ações e serviços públicos de saúde, possibilitando, em caráter suplementar, a assistência pela iniciativa privada através Operadoras de Planos de Saúde ou Seguros Privados de Saúde.

Diante da relevância do dever constitucional de promoção à saúde, a Lei n.º 9.961, de 18 de janeiro de 2000, criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia especial federal que possui a finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, atuando como “órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde” (art. 1º, Lei n.º 9.961/2000).

Dotada de poder regulamentar, a ANS detém legitimidade para expedir atos normativos, com objetivo de conferir maior exequibilidade à legislação e, dessa forma, instrumentalizar com maior facilidade políticas públicas na área da saúde, tendo em vista que suas resoluções não se sujeitam a um processo legiferante moroso, o qual não se mostra capaz de acompanhar as inovações tecnológicas e as oscilações constantes do mercado financeiro.

Isto posto, a questão ora enfrentada pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede do EREsp 1886929/SP e do EREsp 1889704/SP, cinge-se à expedição de atos normativos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que definem o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, estabelecendo a cobertura assistencial obrigatória mínima a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde.

Por meio deste Rol, cuja última atualização ocorreu por meio da publicação da Resolução nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, a ANS determina os parâmetros mínimos de cobertura assistencial, respeitadas as segmentações, a área de atuação e de abrangência, sendo certo, porém, que as Operadoras de Planos de Saúde (OPS) podem oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde.

Em razão da definição conduzida pela Agência Reguladora, que subsidia e justifica negativas de cobertura por parte dos Planos de Saúde, a questão foi alvo de grande Judicialização, marcada pela reivindicação dos beneficiários de custeio dos tratamentos e eventos em saúde, ainda que não previstos em contrato firmado com a Operadora ou no Rol de Cobertura Obrigatória Mínima da ANS.

Em outras palavras, levantou-se o argumento de que o Rol fixado pela ANS não seria taxativo, isto é, não se restringiria aos eventos e procedimentos nele previstos, possuindo, portanto, caráter meramente exemplificativo, sujeito a acréscimos e ampliações de outros procedimentos.

Com base neste raciocínio, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a julgar abusivas as negativas de cobertura dos Planos de Saúde de tratamentos considerados apropriados para resguardar a saúde e a vida do paciente. Mais recentemente, porém, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sentido diametralmente oposto, vem adotando o entendimento de que o rol é taxativo e que, portanto, não seriam abusivas as negativas de procedimentos não incorporados pela ANS.

Diante das divergências, o STJ, por meio de sua 2ª Seção, buscará pacificar o assunto entre as Turmas e trazer um entendimento uniforme, no julgamento dos EREsp 1886929/SP e EREsp 1889704/SP, iniciado em setembro de 2021 com o voto do relator Ministro Luis Felipe Salomão.

Para o Ministro, a taxatividade do Rol da Agência Reguladora tem por finalidade a proteção dos beneficiários dos planos de saúde de aumentos excessivos nos valores contratados, tendo em vista que a exigência de cobertura de todo procedimento e evento médico pode onerar de forma substancial o setor de saúde suplementar. Em seu voto, porém, o relator defendeu a admissão de exceções, nas quais os planos seriam obrigados a cobrir procedimentos fora do rol, como no caso de terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) que possuam comprovada eficiência para tratamentos específicos. Também considerou possível a exceção para fornecimento de medicamentos relacionados ao tratamento do câncer e de prescrição off label – quando o remédio é usado para um tratamento não previsto na bula.

Após o voto do relator, a ministra Nancy Andrighi pediu vista e a discussão foi então retomada na última quarta-feira, dia 23/02/2022, com o voto da referida magistrada, que defendeu o caráter exemplificativo do rol, citando precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que a atuação das agências reguladoras deve ser compatível com a Constituição e com os limites legais, não cabendo à ANS estabelecer outras hipóteses de exceção da cobertura obrigatória pelo plano-referência.

Após o voto da relatora, porém, houve novo pedido de vista pelo Ministro Villa Bôas Cueva, o que levou à nova suspensão do julgamento, ainda sem data definida para retomada. Certo é, porém, que a decisão sobre o tema é de suma importância, diante dos seus possíveis efeitos para os beneficiários e para o equilíbrio econômico e financeiro das Operadoras. A análise econômica é especialmente relevante diante de um cenário de surgimento acelerado de tecnologias de alto custo em saúde, o que exige um esforço articulado entre Agência Reguladora, Operadoras, beneficiários e Poder Judiciário para prover elementos consistentes de avaliação das controvérsias conduzidas aos Tribunais.

Referências:

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS). Resolução da Diretoria Colegiada – RN n° 465, de 24 de fevereiro de 2021, Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde que estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e naqueles adaptados conforme previsto no artigo 35 da Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 02 de mar. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL. Lei n.º 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).  Brasília, DF, 28 jan. 2000

Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984

 

 

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A cobrança do DIFAL após edição da LC 190/22 e a discussão sobre o princípio da anualidade

Em breves linhas, o Diferencial de Alíquota do ICMS (DIFAL) teve sua origem na busca pela maior justiça fiscal na partilha dos recursos advindos da tributação, inibindo o que se convencionou chamar de “guerra fiscal”, especialmente do e-commerce, pois passou a prever a partilha racional dos resultados da tributação do ICMS incidente nas operações transfronteiriças entre o estado de origem e de destino.

Fruto da Emenda Constitucional (87/15) que previu a alteração do elemento subjetivo da regra matriz de incidência tributária com a progressiva transposição das receitas resultantes do fato imponível ao estado de destino, essa mudança constitucional resultou, na prática, em um aumento expressivo na arrecadação desses estados.

De fato, a mudança produziu uma grande alteração na forma de arrecadação de receitas derivadas, uma vez que alterou o sistema que antes da Emenda 87/15 prévia a partilha da arrecadação do ICMS entre os estados origem e destino apenas em casos em que o consumidor final fosse contribuinte do imposto, passando a prever também essa modalidade de recolhimento (DIFAL) para os destinatários finais, também quando não contribuintes.

Desde então, aproveitando-se dessa oportunidade, os estados rapidamente firmaram o Convênio CONFAZ 93/15, o qual tratou com detalhamento da forma como se operacionalizaria o cálculo e incidência do DIFAL:

  1. ICMS origem = BC x ALQ inter
  2. ICMS destino = [BC x ALQ intra] – ICMS origem

Nessa senda, muitas discussões se iniciaram a partir da avaliação de que a regulamentação da incidência do DIFAL não respeitou a obrigatoriedade de edição de Lei Complementar, esta sendo única competente para normatizar a cobrança do tributo.

Instauradas as discussões do tema por meio das ADIns 5.464/DF, 5.469/DF e no RE 1.287.019/DF, conclui-se no ano passado o julgamento do STF, com a definição da tese de repercussão geral 1.093, segundo a qual “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional 87/15, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais“.

Em razão disso, fixou-se desde então o entendimento de que uma nova legislação deveria ser editada até 31/12/21, a fim de que sua incidência pudesse ser admitida após decorridos 90 dias de sua promulgação, estando, em tese, sanada a omissão legislativa e permitida a incidência do tributo já no ano de 2022.

Contudo, não obstante isso, mesmo tendo sido apresentado o PLP 32/2020 já em março de 2020 por autoria do Senador Cid Gomes e tramitado em regime de urgência, com encaminhamento pela Câmara dos Deputados à sanção presidencial em 20 de dezembro de 2021, apenas em 05 de janeiro de 2022 houve a publicação de sua conversão na Lei Complementar 190/2022, fato esse que gerou celeuma em toro de sua aplicação imediata.

Desde então inúmeras teses tem surgido em torno do tema, sendo a primeira delas instaurada pela ABIMAQ perante o Supremo Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7066 DF[1]), onde se rejeita a incidência da norma no ano de 2022 partindo da tese de que, em razão da necessária incidência do princípio da anualidade, haveria inconstitucionalidade no art. 3° da citada LC 190/2022 e portanto, a legislação somente poderia ser aplicada, a partir do ano de 2023.

Assim, ao dispor o art. 3° da referida LC 190/2022 que a “Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III, do caput, do art. 150 da Constituição Federal” a disposição feriu o princípio da anualidade, deduzindo-se por silogismo lógico, a necessária observância do referido princípio por interpretação literal do próprio artigo mencionado.

Traz-se aqui trecho central da argumentada tese:

Além disso, não é correta a interpretação constitucional do referido dispositivo que os Estados estão fazendo, pois a LC 190/22, ao determinar em seu próprio texto legal a observância ao artigo 150, III, “c”, o faz no sentido de dar segurança jurídica tributária ao contribuinte, porém o artigo 150, III, “c” deve ser lido com “olhos de ver”, ou seja, no referido dispositivo constitucional encontra-se também, além da necessidade de observância da anterioridade nonagesimal, há a necessidade de se obedecer, também, o disposto na alínea “b” do mesmo diploma constitucional, vale dizer, a chamada anterioridade geral ou “anual”, quando se é vedado cobrar imposto no mesmo exercício financeiro que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, como é o caso da Lei Complementar nº 190/22.”

Há, por outro lado, enfrentamento diametralmente oposto, como o caso do Estado de Alagoas que também ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7070 DF[2]) questionando a previsão do mesmo art. 3° da referida Lei Complementar, porém, atacando a necessidade de respeito à anterioridade nonagesimal, por reconhecer que a LC 190/2022 não veio instituir novo tributo ou majorá-lo, mas apenas regulou a partilha entre os resultados de uma modalidade tributária já existente.

A tese apresentada ventila argumentos que trazem à tona os próprios fundamentos apresentados pelo Ministro Alexandre de Moraes no julgamento da tese de repercussão geral 1.093, o que, espera-se, deverá ser enfrentado pelo Ministro que é Relator de ambas as ADIs, ainda que para ser relativizado e superado em eventual decisão contrária.

Fato é que a polêmica traduzida em uma discussão nascente e de grande repercussão ainda caminhará nos Tribunais e poderá ser objeto de afetação que demandará uma suspensão das demais ações em tramitação, porém, não estancará a enxurrada de pretensões que se iniciarão para garantia da controvérsia e efeitos modulatórios.

Muitos empresários sujeitos a essa modalidade de tributação (DIFAL) já se movimentam para iniciar discussões, dado que alguns Tribunais já vêm proferindo decisões e concedendo liminares favoráveis aos contribuintes, o que, certamente, não representa qualquer garantia de definitividade, mas ao menos permite também colher os frutos dessa tese que poderá trazer uma grande redução no pagamento desse tributo.

Dr. Homero Gonçalves

OAB/MG 99.915

[1] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6330827

[2] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6333675

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A duplicata escritural e os avanços produzidos pela lei 13.775/2018

Em sua essência a Lei 13.775/2018 promove uma verdadeira revolução no que concerne aos títulos de crédito eletrônicos, modalidade essa prevista no §3°, do art. 889, do Código Civil, mas há muito já experimentada pelas Instituições Financeiras reguladas, cujo o aparato tecnológico e as regras de governança que lhe permitiram superar o paradigma da cartularidade antes mesmo da disposição prevista na Lei Geral.

Diz-se isso, pois desde o final da década de 80, quando do surgimento das Letras Financeiras do Tesouro-LFTs (Decreto-lei nº 2.376, de 25 de novembro de 1987), passando pelas Letras Hipotecárias (Decreto-lei nº 2.287, de 23 de julho de 1986), os Certificados de Recebíveis Imobiliários-CRIs (Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997), a Cédula de Crédito Bancário-CCB (Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004), até a Letra de Arrendamento Mercantil (Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010), todas as legislações disciplinaram a forma escritural como meio de registro e transmissão de titularidade.

Contudo, mesmo em se tratando de uma modalidade não tanto inovadora no que concerne ao caráter escritural de sua emissão, registro, transmissão, oneração e quitação, o que a legislação traz como verdadeira revolução é o fato dessa espécie de título de crédito ser um instrumento genuinamente cartular, tendo sua origem na mercancia privada não oriunda de uma operação bancária ou titularizada como dívida pública.

Nesse sentido, a Lei 13.775/2018 transpõe para o sistema eletrônico todas os requisitos de autenticidade e formalismo necessários à segurança e confiabilidade inerentes aos títulos de crédito, mas, ainda que de forma regulada, transfere às entidades privadas homologadas pelo Banco Central a responsabilidade pela gestão das informações de crédito relacionadas à tais operações.

A referida legislação assegura ainda, que por meio da interoperabilidade dos sistemas das escrituradoras, registradoras ou depositárias, as informações sobre os atos praticados pelo sacador, sacado e beneficiário sejam instantaneamente registrados de forma que inexista riscos de fraudes, duplicidades de descontos ou mais de uma operação envolvendo a mesma duplicata.

Tudo isso alcança ainda pode alcançar ainda mais credibilidade com iniciativas como a do sistema blockchain, atualmente utilizado pela principal entidade de registro de duplicatas eletrônicas, a Central de Registros CRDC, cujo volume de operações, desde o início de sua operação em outubro de 2019, registrou, até o momento, 78.157 unidades de duplicatas, somando mais de R$ 580.000.000,00 em valores totais.

Segundo prevê a Confederação Nacional das Instituições Financeiras, o sistema eletrônico de escrituração de duplicatas escriturais tem potencial para saltar de um montante de 400 bilhões anuais para 1,4 trilhão, algo extremamente importante para a melhoria da performance das operações de crédito concedidas com lastro em tais títulos.

Atualmente a regulamentação das operações de emissão, registro, transferência, oneração e quitação desse tipo de documentos é regido pela Circular BACEN 4.016, de 4 de maio de 2020, cujo teor dispõe de forma detalhada sobre os diversos papéis de cada um dos agentes envolvidos na operação, assegurando que as diretrizes contidas em seu art 7° preservem o bom funcionamento do sistema.

Compõe ainda o arcabouço regulatória a Resolução BACEN 4.815, de 4 de maio de 2020, cujo objeto trata da “realização de operações de desconto de recebíveis mercantis e de operações de crédito garantidas por esses recebíveis pelas instituições financeiras” e toda a expectativa do real impacto da tão aguardada mudança ainda depende da homologação da Convenção prevista na Circular BACEN 4.016, documento esse que disciplina a troca de informações entre as entidades e que, após editado, deflagrará uma contagem regressiva para que todas as operações que envolvam desconto bancário de duplicatas sejam exclusivamente realizadas com a espécie escritural.

Ainda que os prazos sejam longos em relação ao desejável, prevendo-se 360 dias para companhias de grande porte (receita bruta anual superior a 300.000.000,00), 540 dias para empresas de médio porte (receita bruta anual acima de R$ 4.800.000,00 e igual ou inferior a 300.000.000,00) e 720 dias para empresas de pequeno porte (receita bruta até R$ 4.800.00,00), a perspectiva é de que as transposição do modelo atual poderá ocorrer espontaneamente mais rápido, dado que as facilidades e vantagens financeiras para operar o modelo atual atrairão os que buscam maior segurança e que desejam evitar o chamado over collateral.

Enfim, aguarda-se que a mais breve implementação do sistema possa trazer maior segurança e melhoria no mercado de crédito, representando um grande salto em direção à definitiva virtualização títulos de dívida, cuja função econômica tem expressiva relevância e torna esse mercado mais eficiente e acessível.

Dr. Homero Gonçalves

OAB/MG 99.915

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Atestado médico é válido para home office?

O atestado médico, ou certificado médico, consiste em um instrumento jurídico já exaustivamente estudado pela doutrina justrabalhista, cujo objetivo é afirmar a veracidade de um fato ou a existência de determinado estado, ocorrência ou obrigação. O atestado médico, portanto, é uma declaração escrita de um diagnóstico médico e suas possíveis consequências práticas. Em regra, é amplamente utilizado para afastamento de trabalhadores com algum grau de enfermidade de suas obrigações laborais.

Por outro lado, o cenário excepcional desencadeado pela pandemia da Covid-19 transformou as relações laborais e acarretou a migração do trabalho presencial, exercido dentro da empresa, para outra modalidade, marcada pela utilização de meios telemáticos: o home office ou teletrabalho.

A nova organização do mundo do trabalho, que torna imprescindível o emprego de meios telemáticos para sua concretização, engendrou novos questionamentos acerca dos limites do poder do empregador sobre o empregado que se submete ao home office. Uma das questões que emergiram dessa nova realidade foi a incerteza sobre o afastamento do trabalhador em home office que, acometido pela Covid-19 e possuindo atestado médico que comprove tal condição, ainda poderia estar em condições de exercer suas funções sem o deslocamento até a sede física da empresa, uma vez que a questão pandêmica recai justamente sobre o isolamento domiciliar.

Por ser tema da ordem do dia, a doutrina e a jurisprudência ainda não se debruçaram especificamente sobre o assunto, sendo esse, portanto, um vácuo normativo a ser preenchido pela interpretação.

Quando se analisa o que dispõe a CLT em seu art. 6°, vê-se que resta vedada qualquer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e aquele executado à distância no domicílio do empregado. Dessa forma, é de se interpretar que, por questão de isonomia, por serem trabalhos em locais diferentes, que as condições para se trabalhar em um deles difere das condições para se trabalhar em outro. Em síntese, não se pode afirmar que o mesmo atestado que comprova a impossibilidade de o empregado se deslocar até a sede física da empresa possa sempre conduzir ao afastamento do empregado que atue do seu domicílio, em home office. É imposição da isonomia que diferentes sejam tratados de maneira diferente.

Assim sendo, deve a empresa permanecer adstrita ao conteúdo do atestado, respeitando as orientações médicas, mas afastando o empregado apenas na medida em que esse se encontre impossibilitado de exercer atividades, ainda que em home office.

Diante disso, ressalta-se a importância de que o atestado médico receba atenção especial do profissional médico, para que seja bem construído e de fácil entendimento para o empregado e para o empregador. Nesse sentido, o documento deve conter, sobretudo, recomendações médicas expressas para afastamento da pessoa enferma de sua ocupação, as quais devem levar em conta a modalidade de trabalho desempenhada e as condições particulares para sua realização naquela modalidade específica. Essa é a melhor forma de garantir segurança jurídica a ambas as partes da relação jurídica e evitar dúvidas acerca da extensão dos efeitos do atestado.

Em suma, o afastamento mostra-se plenamente possível para o trabalho realizado em homeoffice, em razão da necessária aplicação de uma interpretação isonômica, e sua concessão deve ser amparada por atestado médico que, além de abordar o necessário distanciamento social, deverá apresentar, de forma técnica, a ausência de condições para o exercício laboral na modalidade remota.

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O direito à proteção dos dados pessoais como direito fundamental autônomo na Constituição Federal de 1988

Com o presente estudo pretende-se analisar a razoabilidade da inclusão do direito à proteção de dados pessoais como direito fundamental no rol do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CFRB/88), por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 17/2019).

A discussão primordial sobre o assunto é a natureza jurídica do direito à proteção de dados pessoais no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista a era da informação que vivemos atualmente, com a coleta de dados em massa (Big Data) e a recente regulamentação do tratamento de dados e dos impactos destes.

Em primeiro momento, pode-se considerar que o direito à proteção de dados decorre do direito fundamental à privacidade, assegurado pelo art. 5º, X, da CFRB/88[1],que prevê a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

No entanto, importante averiguar se tal norma contempla, de forma satisfatória, o direito à proteção de dados pessoais, uma vez que o contexto atual revela uma série de desafios, especialmente no âmbito digital, que ensejam a regulamentação específica sobre o tratamento dos dados.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD nº 13.709/18[2]) entrou em vigor no ano de 2020, com o intuito de cumprir o dever de prestação normativa do Estado, de forma a antever e regulamentar situações que possam ferir os dados pessoais e o direito fundamental à privacidade, na mesma linha do que vem ocorrendo no direito europeu e no direito norte-americano.

Nesse cenário, surge o debate acerca da necessidade de inclusão do direito à proteção de dados pessoais como direito fundamental autônomo, o que ensejou a proposta de emenda constitucional (PEC nº 17/2019), que tem como fundamento a “Era informacional” que vivemos e a necessidade de regular juridicamente o tratamento de dados do cidadão, principalmente ao vislumbrar os danos que podem ser gerados pela má-utilização desses dados. Assim, nas razões de justificação da proposta de emenda constitucional, consta que “já se vislumbra, dadas as suas peculiaridades, uma autonomia valorativa em torno da proteção de dados pessoais, de maneira, inclusive, a merecer tornar-se um direito constitucionalmente assegurado” [3].

Nesse cenário, quanto à inclusão do direito à proteção de dados pessoais no rol dos direitos fundamentais como direito fundamental autônomo, um entendimento possível é pela desnecessidade, por se tratar, em primeira análise, de norma de caráter fundamental já abarcada por outra norma fundamental, especificamente o direito à privacidade.

Além disso, tal previsão poderia ser considerada prescindível, diante da equiparação promovida pelo §2º do art. 5º da CFRB/88[4] e pela regulamentação específica advinda da LGPD.

Por outro lado, é importante analisar que, tratando-se de direito fundamental, ainda que haja outra norma que a abarque (direito à privacidade), bem como a possibilidade de equiparação, o ordenamento jurídico brasileiro busca evitar a existência de lacunas, o que fora expresso pela Lei de Introdução às normas do direito brasileiro (LINDB)[5], revelando-se mais adequada a previsão expressa do direito na CFRB/88.

Sob esta ótica, preza-se por evitar lacunas que possam abrir margens a interpretações e discussões sobre o status constitucional ou não do direito, o que pode retirar o foco da própria efetivação da norma. Assim, a inclusão do direito à proteção de dados pessoais no rol do art. 5º da CFRB/88, somada à regulamentação específica advinda da LGPD, asseguram o exercício deste, que consiste tanto no direito à não-afetação (prestação negativa)[6] quanto no direito à prestação positiva normativa[7].

Conclui-se que a atribuição do status de norma fundamental se revela mais adequada, pois, em eventual situação de conflito com outro direito fundamental, deve ser observada a proporcionalidade em sentido estrito[8], com a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, conforme proposto por Robert Alexy.

Por fim, importante salientar que a proposta de emenda constitucional objeto deste estudo, que aguarda a promulgação, faz menção expressa à proteção dos dados no meio digital, o que se considera um avanço significativo, de forma a adequar o contexto jurídico brasileiro, agora em âmbito constitucional, à era digital que vivemos e aos desafios decorrentes desta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Suporte Fático dos direitos fundamentais e restrições a esses direitos. In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. 5ª edição. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 301-332.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). Acesso em: 6. dez. 2021.

BRASIL. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Brasília, DF: Presidência da República, [1942]. Disponível em: Del4657compilado (planalto.gov.br). Acesso em: 6 dez. 2021.

BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados nº 13.709/18. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: L13709 (planalto.gov.br). Acesso em: 6 dez.2021.

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 43, de 2019. Altera o art. 5º da Constituição Federal, para acrescentar o inciso XII-A, ao art. 5º, e o inciso XXX, ao art. 22, da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão e fixar a competência privativa da União para legislar sobre a matéria. Brasília, DF: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7925004&ts=1636396014097&disposition=inlin. Acesso em 6.dez.2021.

[1] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). Acesso em: 6. dez. 2021.

[2] BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: L13709 (planalto.gov.br). Acesso em: 6.dez.2021.

[3] BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 43, de 2019. Altera o art. 5º da Constituição Federal, para acrescentar o inciso XII-A, ao art. 5º, e o inciso XXX, ao art. 22, da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão e fixar a competência privativa da União para legislar sobre a matéria. Brasília, DF: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7925004&ts=1636396014097&disposition=inlin. Acesso em 6.dez.2021.

[4] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). Acesso em: 6. dez. 2021.

[5] “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” BRASIL. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Brasília, DF: Presidência da República, [1942]. Disponível em: Del4657compilado (planalto.gov.br). Acesso em: 6 dez. 2021.

[6] ALEXY, Robert. Suporte Fático dos direitos fundamentais e restrições a esses direitos. In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 301-332.

[7] Direitos a ações positivas normativas são direitos a atos estatais de criação de normas. […] Um outro exemplo é o direito de um titular do direito fundamental à liberdade científica “àquelas medidas estatais, também de caráter organizacional, que sejam imprescindíveis para a proteção de sua esfera de liberdade constitucionalmente protegida” (pág.202). ALEXY, Robert. Direitos a ações positivas. In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 201-203.

[8] “Uma das teses centrais da “Teoria dos Direitos Fundamentais” é a de que essa definição implica a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas parciais – as máximas da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito -, e que a recíproca também é válida, ou seja, que da máxima da proporcionalidade decorre logicamente o caráter principiológico dos direitos fundamentais. Essa equivalência significa que as três máximas parciais da máxima da proporcionalidade definem aquilo que deve ser compreendido por “otimização” na teoria dos princípios”. ALEXY, Robert. Discricionariedade estrutural e sopesamento (pág. 588). In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 584-611.

Juliana Costa Martins
OAB/MG 192.789

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