0

É possível que empresas exijam de seus colaboradores a vacinação contra a Covid-19?

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que esse tema ainda não é pacífico nos tribunais, assim como não há nenhuma legislação específica quanto à obrigatoriedade da vacina da covid-19 propriamente dita.

Ademais, é relevante sublinhar a suspensão de dispositivos da Portaria 620 de 2021, pelo Ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu a liminar após as ADPFs (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental) 898, 900, 901 e 904 serem apresentadas ao Supremo Tribunal Federal. Uma das principais razões para a suspensão de tal Portaria, que proibia expressamente a exigência da comprovação da vacinação pelo empregador e qualquer prática discriminatória que tenha relação com a vacinação no âmbito do trabalho, foi a justificativa de que a vacinação consiste em uma medida indispensável de combate ao covid-19, e a presença de empregados não vacinados coloca em risco a saúde dos outros colaboradores que fazem parte das empresas.

Em adição, o Guia Técnico Interno do Ministério Público do Trabalho sobre a vacinação da covid-19, de 28 de janeiro de 2021, traz esclarecimentos sobre as legislações e decisões jurisprudenciais aplicáveis à questão.

Desse modo, o Guia esclarece que a Lei número 13.979/20 traz, em seu artigo 3º, inciso III, alínea ‘d’, que para enfrentamento da emergência de saúde pública de âmbito internacional decorrente da covid-19, é possível que as autoridades adotem, no âmbito de suas competências, a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas. A jurisprudência interpretou tal dispositivo no sentido de que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, logo, a implementação de tal texto normativo abre espaço para a adoção de medidas indiretas, como a restrição de realização de algumas atividades e admissão em determinados locais.

Além disso, é assegurado constitucionalmente, por meio do artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal, o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Nesse sentido, o artigo 157, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elenca que as empresas devem cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. O inciso II do artigo 158, também da CLT, determina que os empregados têm o dever de colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos do Capítulo, e assim devem, portanto, colaborar no cumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho. Ademais, o parágrafo único do referido artigo 158 estipula que é ato faltoso do empregado a recusa injustificada à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo 157.

É válido ressaltar, ainda, que a Lei número 8.213/91 dispõe, em seu artigo 19, parágrafo 1º, que a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

Diante do exposto, é importante pontuar que a vacinação é uma medida de enfrentamento coletivo da covid-19, mas que só consegue alcançar êxito se for adotada de maneira individual. Nesse âmbito, o Guia Técnico acima mencionado esclarece que a vontade individual não deve ser considerada em primeiro lugar em detrimento ao interesse coletivo, uma vez que coloca em risco não só as pessoas em contato direto com os trabalhadores contaminados pela covid-19 nas atividades trabalhistas, mas, também, a sociedade de forma geral. Portanto, considerando o artigo 8º da CLT, que determina “que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”, nenhum ponto de vista particular do empregado, seja ele de qualquer natureza, com exceção de situações excepcionais e devidamente justificadas, pode ser considerado em detrimento ao direito da coletividade de imunização, principalmente no contexto da pandemia de covid-19, que depende do esforço coletivo para proteção individual.

Pelas razões dispostas acima, resta claro que as empresas podem exigir a vacinação contra a covid-19, por ser um direito e, ao mesmo tempo, um dever. No entanto, a empresa não deve utilizar, de pronto, argumentos como a chance de haver a demissão por justa causa para que haja a adesão à vacinação. Essa é uma recomendação do próprio Ministério Público do Trabalho (MPT), que sublinha que o empregador tem um dever de informação sobre saúde e segurança do trabalho e sobre a aprovação da vacina pela Anvisa.

Dessa forma, o recomendável para as empresas, em primeiro plano, é conscientizar e orientar seus colaboradores da importância da adesão à vacinação e das consequências da sua recusa. O guia do MPT aponta, inclusive, que deve haver para isso uma compreensão, por parte das empresas, de que nosso contexto atual é permeado pela circulação considerável de notícias falsas. Dessa forma, os colaboradores podem ter acesso à tais notícias falsas e precisarem de esclarecimentos acerca das reais informações sobre as vacinas.

Caso o colaborador ainda assim permaneça com a recusa em se vacinar, deve-se demandar a justificativa. Se a justificativa for plausível, o MPT estabelece que a empresa deve tomar providências de proteção do trabalhador, como o regime do teletrabalho e, se o trabalho remoto não for possível, medidas de organização do trabalho, de proteção coletiva e individual, como máscaras, ventilação e álcool em gel.

Em caso de recusa injustificada, é necessário avaliar, primeiramente, o estado de saúde do trabalhador por avaliação clínica do médico do trabalho. E, se permanecer a falta de justificativa, é recomendado adotar, novamente, medidas de esclarecimento e informação sobre a importância da vacinação. Finalmente, persistindo novamente a recusa injustificada, é possível que seja adotadas sanções previstas na CLT ou no estatuto de servidores e o trabalhador pode ser afastado do local de trabalho em razão do risco oferecido à imunização coletiva.

Apenas em último caso, pode haver a despedida por justa causa, com fundamento, segundo o MPT, no artigo 482, alínea ‘h’, e artigo 158, inciso II, parágrafo único, alínea ‘a’, ambos dispositivos da CLT.

REFERÊNCIAS

Guia Técnico Interno do MPT sobre a vacinação da Covid-19 – Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf

“Ministro Barroso suspende portaria que impede demissão de trabalhador não vacinado”. STF, 2021. Disponível em:  https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=476523&ori=1

Dr. Lincoln Fagundes Netto Santos

Dr. Henrique Peixoto Vargas

Júlia dos Santos Acerbi

Deixe uma resposta

Your email address will not be published. Required fields are marked *