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Estado de Exceção: entre a Política e o Direito

Em tempos de Pandemia da Covid 19 e de instabilidade político-institucional, as discussões acerca de cerceamento de direitos individuais e de operacionalidade atípica do Estado ganham notoriedade não apenas entre os juristas e políticos, mas em toda a sociedade. O termo Estado de Exceção denota não a ruptura de um modelo institucionalizado, mas a emergência de mecanismos internos à própria Ordem Constitucional para lidar com situações compreendidas como ameaças à estabilidade sistêmica (soberania, ordem pública, saúde etc.).

A situação de anormalidade leva ao tratamento atípico de determinadas matérias ou pessoas, que são colocadas fora dos padrões regulares do Estado de Direito. Isto quer dizer que o Estado, para lidar com a ameaça, excepciona funções e liberdades típicas internas asseguradas pelo Direito, promovendo um tratamento fora de sua normalidade que, por sua vez, deve ser temporário e restrito ao combate à ameaça.

O jusfilósofo italiano Giorgio Agamben leciona que o Estado de Exceção moderno tem sua origem na tradição democrático-revolucionária francesa do final do século XVIII (no pós Revolução e não no absolutismo), enquanto instrumento jurídico que suspendia os direitos constitucionais em tempos de guerra, criando as “áreas sitiadas” (decretação do estado de sítio). Desde então, instrumentos que possibilitam suspender “direitos normais” para assegurarem “a ordem e a segurança pública”, em regra constitucionalmente previstos, estão presentes e foram experimentados nos Estados Ocidentais em diferentes ocasiões, sobretudo no século XX.

O Estado de Exceção, por se caracterizar por instrumentos que possibilitam aos Estados operarem fora de sua típica “Ordem Legal” no enfrentamento de situações transitórias e/ou temporárias, definidas e decididas em regra pelos governantes, se situam em uma zona nebulosa entre a política e o direito. Parte-se de uma previsão legal para excepcionar o próprio Direito em razão de decisões políticas, criando uma indistinção de limites entre o que está no campo legal e o que está no campo político. Não obstante advirem de um “estado de necessidade” ou “calamidade” que justificam a utilização extraordinária do Poder de Polícia estatal para limitar ou mesmo suspender direitos, há um grande risco inerente à esses instrumentos, conforme ressalta o mencionado filósofo, que se relaciona com a duração e permanência da “exceção” como forma de governo.

No Brasil, alguns instrumentos jurídicos se identificam com o conceito abrangente de Estado de Exceção e vem sendo utilizados no combate à atual pandemia. Dentre eles destacamos: o estado de emergência e de calamidade pública, previstos de maneira esparsa em diferentes dispositivos legais; e o estado de segurança e estado de sítio, constitucionalmente previstos nos artigos 136 ao 141 da Constituição Federal.

A decretação da situação de emergência relaciona-se com situação de risco iminente em que os entes políticos federados (União, estados e municípios) buscam aporte institucionais para o enfrentamento de ameaças que podem afetar a saúde, os serviços públicos ou a segurança da população. Por sua vez, a decretação da calamidade pública, atualmente regulada pelo Decreto 7.257/2010 e com previsão no artigo 65 da Lei Complementar 101/2000, visa flexibilizar o controle sobre os gastos públicos, tendo em vista a necessidade de aportes financeiros para o combate do perigo concreto que se instalou, requerendo anuência das assembléias legislativas dos respectivos entes federados. Essas medidas, sobretudo a decretação da calamidade pública, vem sendo adota como instrumento de combate a atual pandemia.

O estado de defesa, que deve ser decretado pelo Presidente da República e confirmado pelo Congresso Nacional por maioria absoluta, é uma medida temporária que visa: “preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.” Por sua vez, o estado de sítio, decretado pelo Presidente da republica mediante autorização do Congresso Nacional, relaciona-se com a ineficiência de medidas tomadas em estado de defesa, comoção grave de repercussão nacional e no caso de estado de guerra ou agressão externa armada. Tais medidas não foram adotas no combate a pandemia da Covid 19 no Brasil.

Como em todos os casos supracitados, em maior ou menor grau, pode haver a suspensão de direitos e garantias individuais, mediante exercício do poder de polícia, faz de suma importância a observação dos limites constitucionais, sobretudo no aspecto da transitoriedade das medidas e na adoção de princípios como os da razoabilidade e proporcionalidade.

A decretação de limites como os que se tem vivenciado com as restrições às atividades econômicas, ao direito de ir e vir, quarentenas, lockdown entre outros, se sustentam diante da real ameaça à vida que a Covid 19 representa. Uma condição otimizada de funcionamento dos sistemas de saúde pública e privada torna-se vital no combate a essa doença, o que se apresenta de forma numericamente inconteste e igualmente justifica e ampara tais medidas restritivas. Com a compreensão da competência concorrente dentre os entes federados para adoção de medidas de combate à pandemia, garantida pela decisão do STF na ADI 6341, as medidas restritivas podem observar a realidade de cada local, possibilitando melhor ponderação nas decisões tanto de restringir mais quanto de afrouxar as medidas de isolamento. A proporcionalidade e a razoabilidade atuam quando as medidas tomadas se mostram suficientemente eficazes para atingirem seus fins (no caso o combate à pandemia), restringindo os direitos apenas no que for necessário. Diante de um cenário de tão profundas incertezas, torna-se frágil afirmar o quão eficiente estão sendo as medidas em relação as restrições de direitos impostas. Todavia, pelas mesmas incertezas, o bem maior, “a vida”, deve ser priorizado.

Afastar os riscos inerentes as ascensões autocráticas requer o equilíbrio entre o aspecto político e o jurídico das medidas de exceção. Tal equilíbrio só se faz possível com o adequado funcionamento das Instituições Democráticas. No atual cenário, a harmonia e a independência entre os três poderes e a devida operacionalidade dos sistemas de freios e contrapesos entre eles, nunca foi tão premente.

Prof. Dr. Leonardo Alejandro Gomide Alcantara

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