Mecanismos contratuais de resolução de conflitos
Devido ao movimento de constitucionalização do Direito Civil, as relações privadas se balizaram a partir dos preceitos constitucionais, cujo cerne gira em torno da promoção da dignidade da pessoa humana. Na disciplina jurídica dos contratos bilaterais, por exemplo, houve mudanças significativas, principalmente, no que tange à mudança de valorização da estrutura para a função do contrato, tendo em vista a defesa dos interesses dos próprios contratantes.
Nesse contexto, cumprir a obrigação principal, objeto do contrato, não é mais o fim em si mesmo do contrato. Os contratantes devem pautar suas ações na observância da boa-fé, cujo escopo determina deveres laterais de cumprimento recíproco, buscando a satisfação do interesse de todos os envolvimentos na relação. Assim, mesmo que um dever não esteja disciplinado no documento, é necessário que as partes estejam cientes das obrigações que cercam a relação. É bem verdade que, quando expressos na minuta contratual, a inobservância de tais deveres é mais facilmente identificável e, consequentemente, o contratante prejudicado disporá de mais instrumentos aptos a proteger seu direito.
Dentre os instrumentos presentes no nosso ordenamento jurídico, duas figuras merecem destaque: a exceção de contrato não cumprido e a cláusula resolutiva expressa. O primeiro corresponde a uma garantia legal, que permite ao contratante lesado, ou em perigo de lesão, sobrestar o cumprimento da parte que lhe cabe cumprir na relação contratual até receber alguma garantia ou o próprio cumprimento da obrigação. Já o segundo é um instrumento contratual que tem o potencial de desfazer o vínculo jurídico, com a devida aplicação das sanções previamente acordadas, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
A exceção de contrato não cumprido (exceptio nom adimpleti contractus) é uma figura tradicional do direito civil e encontra amparo legal no art. 476 do Código Civil brasileiro, cuja determinação garante que, “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Dessa forma, as prestações devem guardar entre si uma relação de reciprocidade e interdependência, inerente a sua própria condição de bilateralidade. É importante ressaltar que, para aplicação desta ferramenta, as prestações devem ser simultâneas, como, por exemplo, em contrato de permuta de bens. Neste contrato, os dois contratantes devem, salvo disposição em contrário, dispor dos bens em favor do outro de maneira simultânea. Caso um dos contratantes, contudo, decida não entregar o bem em seu poder, o outro poderá recusar entregar-lhe o que deve na transação até que tenha sua obrigação cumprida.
Suponhamos, no entanto, que ao invés de buscar exigir o cumprimento da outra parte, no exemplo acima, o contratante lesado desistisse da transação, mesmo com o contrato já assinado. Neste caso, para evitar que o conflito fosse decidido judicialmente, o contrato deveria conter cláusula prevendo, expressamente, quais as possíveis formas de desfazimento da relação, bem como as sanções devidas pelo inadimplemento. Vale frisar que o documento que formaliza a contratação, desde que cumpra as exigências legais, tem o condão de se tornar título executivo extrajudicial, dispensando, na maior parte das vezes, discussões judiciais em torno dos direitos das partes, respeitando a autonomia das partes. Assim, o prejudicado poderia acionar a jurisdição diretamente para buscar reparação dos danos e não mais para discutir o distrato, cuja efetivação se consolidou com o inadimplemento da obrigação, caso a cláusula resolutiva expressa assim definir.
Para mitigar os riscos na utilização dessas ferramentas, é necessário que os contratantes estejam assessorados por profissionais especializados em prevenção de litígios contratuais, pois, em ambos os casos, são consideráveis as chances de inversão da posição de inadimplemento. Assim, se mal utilizadas, tais ferramentas poderão constituir em posição de devedor o contratante que cumpriu fielmente suas obrigações; entretanto, se manuseadas de maneira estratégica, podem resguardar o direito do credor, evitando-lhe inúmeros transtornos e resguardando seu patrimônio de potenciais danos.
Valdemir Souto