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Cuidados na Elaboração de um Contrato de Compra e Venda

A relação de compra e venda constitui o mais importante e corriqueiro entre todos os contratos, haja vista desempenhar o papel fundamental de estipular as diversas obrigações contraídas e proporcionar às partes uma maior segurança na negociação. Porém, em determinadas situações, sua elaboração não é tão simples quanto parece, sendo necessário o cumprimento de algumas formalidades para que o contrato pactuado seja considerado válido, além dos requisitos de validade da disciplina geral dos contratos.

a) Consentimento

O primeiro elemento essencial para a constituição de um Contrato de Compra e Venda é o consentimento das partes, no sentido de pactuar o preço e a coisa tida com objeto da venda. Tal consentimento é exteriorizado através da declaração de vontade das partes, convergindo sobre o preço, a coisa e as demais condições da avença. Dessa forma, pressupõe-se a capacidade dos declarantes, e no caso da incapacidade, absoluta ou relativa, de uma das partes será necessária a representação ou assistência, a fim de se garantir a validade do ato negocial. Existem ainda situações especiais envolvendo o consentimento dos contratantes na compra e venda, que merecem ser tratadas de forma pormenorizada:

b) Venda de ascendente para descendente

O Código Civil brasileiro dispõe em seu artigo 496 sobre a anulabilidade da venda realizada entre ascendente e descendente, salvo a hipótese em que os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Trata-se de disposição legal de caráter visivelmente protetivo do núcleo familiar, ao evitar que o ancestral venha a frustrar de maneira fraudulenta ou simuladamente sua perspectiva patrimonial, com o escopo de beneficiar outro filho. Seria o caso do pai que, sabendo que uma eventual doação para o filho predileto implicaria, por lei, antecipação de sua parte da herança, resolve vender a este descendente o imóvel a um preço completamente irrisório. Em virtude disso, faz-se necessária a autorização dos demais interessados, sendo essa anuência de forma expressa e escrita, convalidando o ato negocial e afastando eventual alegação de anulabilidade.

c) Compra e Venda entre Cônjuges

O artigo 499 do Código Civil estabelece que a compra e venda feita entre cônjuges é lícita, com relação aos bens excluídos da comunhão. Dessa forma, um consorte pode, então, vender os bens para o outro cônjuge, desde que tais bens não integrem o patrimônio comum do casal, ou seja, os bens particulares. Atualmente, a doutrina e jurisprudência também admitem o Contrato de Compra e Venda entre pessoas conviventes em união estável.

d) Venda de bem imóvel celebrado por pessoa casada:

Insta salientar que existem atos cuja importância é tamanha para o patrimônio do casal que somente podem ser praticados com expressa anuência do cônjuge. Esses atos estão previstos no rol taxativo do artigo 1.647 do Código Civil, dentre eles consta a venda de bem imóvel. Caso não haja o consentimento do consorte implicará a anulabilidade do contrato firmado. Nessa senda, pode surgir a seguinte dúvida para o vendedor, como fazer a prova de consentimento? A resposta está contida no artigo 220 do Código Civil, que consagra o princípio da atração das formas, a partir do qual infere-se que se exigida a escritura pública, como da essência do ato, a vênia conjugal deve ter forma pública também. Além disso, se um dos cônjuges, injustificadamente, se recusa a conceder o consentimento para a venda do imóvel, pode estar praticando abuso de direito (art. 187 do Código Civil) e incorrendo em ilicitude civil, podendo também, nesses casos, haver o suprimento judicial do consentimento do cônjuge.

e) Preço

O segundo elemento essencial para a constituição do Contrato de Compra e Venda é o preço estabelecido. O preço deve ser certo e determinado, ou no máximo determinável, consistente em dinheiro, visto que se a contraprestação for coisa diversa do dinheiro, se estará diante de um contrato de troca ou permuta. Destarte, o preço deve ser expresso em moeda nacional (real), sendo possível que o preço seja fixado em moeda estrangeira, desde que convertido para moeda nacional no momento do pagamento. Nesse sentido, o alienante recebe do comprador um determinado valor pecuniário (dinheiro), para promover a transferência da coisa que lhe serve de objeto, caracterizando o dever do comprador como uma obrigação de dar coisa certo, no caso a quantia pré-determinada. Cabe ressaltar, que o preço deve ser determinado ou determinável, visto que a indeterminação absoluta do preço, bem como a submissão do preço ao arbítrio exclusivo de uma das partes (artigo 489 do Código Civil), gera a nulidade absoluta do contrato. Também sendo injusto ou desproporcional o preço é possível a anulação do contrato, além de que se à época da formação do contrato, o preço for razoável e proporcional a coisa que se está comprando, mas se tornar excessivamente oneroso por causa superveniente, poderá se valer do instituto da onerosidade excessiva, previsto no artigo 478 do Código Civil.

f) Objeto

Por fim, o fator que também não pode deixar de constar em seu contrato é o elemento coisa, isto é, o objeto do Contrato de Compra e Venda. Assim sendo, há um amplo espectro de possibilidade sobre o que pode ser o objeto do referido contrato. Desse modo, todo e qualquer bem jurídico, economicamente apreciável, pode servir de objeto do negócio, podendo ser um bem móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo, tendo existência material ou imaterial (nesse último caso, a compra e venda é chamada de cessão onerosa). Admite-se, até mesmo, a venda de coisa incerta (art. 243 do Código Civil), a venda alternativa (art. 252 do Código Civil) e a venda de coisa futura, sendo a última hipótese muito comum na a alienação de imóveis ainda em construção. É importante distinguir que se o objeto do contrato for um serviço prestado por alguém se caracterizará como Contrato de Prestação de Serviços ou Contrato de Empreitada, a depender do objeto ajustado entre as partes.

Como visto, os Contratos de Compra e Venda possuem diversas especificidades as quais os contratantes devem se atentar, ao contratarem, para que se assegure a validade do contrato e se proporcione segurança jurídica às partes envolvidas na relação. Sendo assim, é essencial a assessoria de um profissional habituado com esse tipo de operação, com capacidade analítica e experiência na formalização de contratos, para que a transação transcorra sem maiores transtornos.

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Eu recebi o BEm esse ano. Como fica o meu 13º salário e as minhas férias?

A Secretaria do Trabalho, pertencente ao Ministério da Economia no atual governo, editou e publicou a Nota Técnica nº 51520/2020/ME no último dia 17.

O texto analisa e orienta os efeitos que os acordos de suspensão do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e de salário, de que trata a Lei 14.020 de 2020 (antiga MP 936/2020) deverão produzir sobre o cálculo do 13º salário e das férias dos trabalhadores, ou seja, define como as férias e o 13º salário dos trabalhadores que receberam o BEm (Benefício Emergencial) serão calculadas.

•13º salário + 1/3 constitucional para contratos suspensos:
O pagamento do 13º salário + 1/3 constitucional para contratos suspensos deve ser proporcional ao período trabalhado, o que significa a exclusão do período de suspensão.
Portanto, a regra geral é não computar como tempo de serviço o período de suspensão. Lembrar, porém, daquela velha regra do cômputo de 1/12 avos para quando o empregado trabalhar no mês por um período igual ou superior 15 dias.

•Férias para contratos suspensos:
Como vimos, o período de suspensão não conta como tempo de serviço, sendo assim, não é considerado para fins de cômputo de aquisição das férias (período aquisitivo), ou seja, o empregado completará o período aquisitivo quando alcançar 12 meses trabalhados sem o cômputo do período de suspensão.
Lembrar que a regra aqui é a da interrupção da contagem, ou seja, a suspensão contratual faz com que a contagem do período aquisitivo seja interrompida, sendo retomada do lugar onde parou logo após o retorno do empregado às suas funções.

•13º salário e férias para contratos reduzidos:
Por outro lado, nada muda para trabalhadores que tiveram salários reduzidos.
Independente do percentual ou de estar com contrato reduzido ainda no mês de dezembro.

Observação final: se a norma coletiva ou o acordo individual trouxer previsão mais favorável ao empregado, a cláusula válida é aquela mais favorável.

Dr. Guilherme de Castro
OAB/RJ – n° 208.219

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Mecanismos contratuais de resolução de conflitos

Devido ao movimento de constitucionalização do Direito Civil, as relações privadas se balizaram a partir dos preceitos constitucionais, cujo cerne gira em torno da promoção da dignidade da pessoa humana. Na disciplina jurídica dos contratos bilaterais, por exemplo, houve mudanças significativas, principalmente, no que tange à mudança de valorização da estrutura para a função do contrato, tendo em vista a defesa dos interesses dos próprios contratantes.

Nesse contexto, cumprir a obrigação principal, objeto do contrato, não é mais o fim em si mesmo do contrato. Os contratantes devem pautar suas ações na observância da boa-fé, cujo escopo determina deveres laterais de cumprimento recíproco, buscando a satisfação do interesse de todos os envolvimentos na relação. Assim, mesmo que um dever não esteja disciplinado no documento, é necessário que as partes estejam cientes das obrigações que cercam a relação. É bem verdade que, quando expressos na minuta contratual, a inobservância de tais deveres é mais facilmente identificável e, consequentemente, o contratante prejudicado disporá de mais instrumentos aptos a proteger seu direito.

Dentre os instrumentos presentes no nosso ordenamento jurídico, duas figuras merecem destaque: a exceção de contrato não cumprido e a cláusula resolutiva expressa. O primeiro corresponde a uma garantia legal, que permite ao contratante lesado, ou em perigo de lesão, sobrestar o cumprimento da parte que lhe cabe cumprir na relação contratual até receber alguma garantia ou o próprio cumprimento da obrigação. Já o segundo é um instrumento contratual que tem o potencial de desfazer o vínculo jurídico, com a devida aplicação das sanções previamente acordadas, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

A exceção de contrato não cumprido (exceptio nom adimpleti contractus) é uma figura tradicional do direito civil e encontra amparo legal no art. 476 do Código Civil brasileiro, cuja determinação garante que, “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Dessa forma, as prestações devem guardar entre si uma relação de reciprocidade e interdependência, inerente a sua própria condição de bilateralidade. É importante ressaltar que, para aplicação desta ferramenta, as prestações devem ser simultâneas, como, por exemplo, em contrato de permuta de bens. Neste contrato, os dois contratantes devem, salvo disposição em contrário, dispor dos bens em favor do outro de maneira simultânea. Caso um dos contratantes, contudo, decida não entregar o bem em seu poder, o outro poderá recusar entregar-lhe o que deve na transação até que tenha sua obrigação cumprida.

Suponhamos, no entanto, que ao invés de buscar exigir o cumprimento da outra parte, no exemplo acima, o contratante lesado desistisse da transação, mesmo com o contrato já assinado. Neste caso, para evitar que o conflito fosse decidido judicialmente, o contrato deveria conter cláusula prevendo, expressamente, quais as possíveis formas de desfazimento da relação, bem como as sanções devidas pelo inadimplemento. Vale frisar que o documento que formaliza a contratação, desde que cumpra as exigências legais, tem o condão de se tornar título executivo extrajudicial, dispensando, na maior parte das vezes, discussões judiciais em torno dos direitos das partes, respeitando a autonomia das partes. Assim, o prejudicado poderia acionar a jurisdição diretamente para buscar reparação dos danos e não mais para discutir o distrato, cuja efetivação se consolidou com o inadimplemento da obrigação, caso a cláusula resolutiva expressa assim definir.

Para mitigar os riscos na utilização dessas ferramentas, é necessário que os contratantes estejam assessorados por profissionais especializados em prevenção de litígios contratuais, pois, em ambos os casos, são consideráveis as chances de inversão da posição de inadimplemento. Assim, se mal utilizadas, tais ferramentas poderão constituir em posição de devedor o contratante que cumpriu fielmente suas obrigações; entretanto, se manuseadas de maneira estratégica, podem resguardar o direito do credor, evitando-lhe inúmeros transtornos e resguardando seu patrimônio de potenciais danos.

Valdemir Souto

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Arbitragem: os cuidados na elaboração de cláusulas compromissórias

A adoção da arbitragem como método de resolução de controvérsias, no campo do direito civil e empresarial, pode apresentar inúmeras vantagens para as partes em conflito, na medida em que possibilita a obtenção de uma decisão mais célere, amparada por um procedimento confidencial e essencialmente técnico. Entretanto, para que sejam alcançados os objetivos deste instituto, cada vez mais utilizado pelas empresas, é necessário compreender os cuidados que devem ser tomados no momento da convenção de arbitragem.

Conforme a Doutrina, a convenção de arbitragem poderá ser realizada por meio de um compromisso arbitral ou de uma cláusula compromissória. Através do compromisso arbitral, o método de resolução de conflitos é acordado após a instauração da controvérsia; nesse caso, firma-se um termo de compromisso, através do qual as partes acordam em utilizar a via arbitral para solucionar algum problema.

A cláusula compromissória, por sua vez, permite a eleição da arbitragem de plano, antes do surgimento de qualquer controvérsia entre as partes. Trata-se de medida que garante a eleição de método de solução de conflitos previamente, quando as partes ainda se preparam para a formalização de um negócio jurídico.

Importante ressaltar que a convenção de arbitragem, tanto na modalidade de compromisso arbitral quanto na modalidade de cláusula compromissória, goza de força vinculante e de caráter obrigatório. Por conseguinte, uma vez definido ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, derroga-se a jurisdição estatal, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1818982/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020).

Em decorrência de seu caráter vinculante e obrigatório, mostra-se de suma importância a adoção de cuidados no momento de redação da convenção de arbitragem, de forma a garantir maior previsibilidade das condições que deverão ser seguidas pelas partes para a instauração da arbitragem. Nesse sentido, a formalização do acordado por meio de uma redação segura e técnica insere-se na proposta de garantir celeridade e eficiência das decisões do árbitro eleito ou de um Tribunal Arbitral.

Sob tal aspecto, cumpre observar que as cláusulas compromissórias podem ser cheias ou vazias, a depender do conteúdo fixado. Atenta-se que as cláusulas vazias preveem tão somente que eventuais controvérsias deverão ser solucionadas através da arbitragem, sem, contudo, indicar de que forma o procedimento será instaurado, aplicando-se as regras gerais previstas pelos arts. 6º e 7º da Lei de Arbitragem, Lei n.º 9.307/96.

Por conseguinte, caso o procedimento legal não seja suficiente ou não se mostre compatível com o interesse das partes, o ideal é a disposição em contrato de uma cláusula compromissória cheia, que possui os elementos necessários para prever de que forma será instaurada a arbitragem, determinando a instituição arbitral, regras aplicáveis, número de árbitros, forma de escolha dos membros do tribunal ou indicação de único árbitro, idioma e local de arbitragem (CARMONA, 2009).

Nesse caso, os procedimentos e regras dispostos em contrato devem ser dotados de clareza e transparência, sendo certo que, no caso de ambiguidades ou divergências, as discussões acerca da validade da cláusula podem ir de encontro à celeridade e efetividade pretendidas.

Em contratos de longa duração, por exemplo, tais como os contratos nas áreas de energia, gás e petróleo, é comum a previsão das denominadas cláusulas escalonadas, também conhecidas por cláusulas combinadas, as quais podem prever a tentativa de resolução do conflito por método autocompositivo, como a mediação e a conciliação, e, caso o consenso não seja obtido, o posterior direcionamento da controvérsia para decisão por meio da arbitragem (LEMES, 2013).

Referida previsão mostra-se vantajosa para relações duradouras, em que o inadimplemento contratual repercute em cadeia nas demais contratações e subcontratações. No entanto, é imprescindível que a redação da cláusula escalonada estipule com segurança como os processos devem ser iniciados, finalizados e quais deverão ser os respectivos prazos, com o intuito de possibilitar a verificação do cumprimento ou não da cláusula e, em última análise, do cumprimento dos requisitos pré-arbitrais.

Não por outra razão, recomenda-se sempre o auxílio de assessoria jurídica especializada para a estipulação de cláusulas compromissórias e elaboração de termos de compromisso, visando propiciar que a eleição da arbitragem se apresente de fato como método eficiente para a solução da controvérsia, restando afastadas quaisquer divergências e embaraços para a obtenção da resolução do caso.

Bibliografia:
BRASIL. Lei n° 9.307/1996. Dispõe sobre a arbitragem. [online] Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307. Último acesso em 19/09/2020.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1818982/MS, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020.

CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993.

LEMES, Selma Ferreira. “Cláusula escalonada ou combinada: mediação, conciliação e arbitragem”, in
Arbitragem Internacional, UNIDROIT, CISG, e Direito Brasileiro, 2013.

Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984

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DADOS E MAIS DADOS

Não há qualquer dúvida sobre a importância dos dados para os negócios, e não estou falando apenas de dados pessoais, mas principalmente deles. Houve um aumento no desenvolvimento de ferramentas que analisam todo este volume de dados que são coletados o tempo todo e de diversas formas.

Duas questões se destacam. Uma maior atenção de segmentos do mercado que não viam a ciência dos dados como uma ferramenta eficaz para melhoria de resultados; e uma crescente regulamentação protetiva de dados pessoais.
Vou me ater neste artigo apenas à questão da regulação de proteção de dados pessoais.

A entrada em vigor da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) nos próximos dias foi precedida de uma série de fatos dignos de uma série televisiva, com vários episódios e um final até certo ponto surpreendente.

E no embalo ainda tivemos a publicação do Decreto que estrutura a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), também muito esperado, apesar de já criticado também por não favorecer uma maior independência da Autoridade. Mas ainda assim, podemos dizer que demos bons passos em direção à formação de um ecossistema saudável de proteção de dados pessoais no Brasil.

Porém existem alguns pontos muito relevantes que precisam ser destacados.
Primeiro. A proteção de dados pessoais no Brasil não é regulada apenas pela LGPD. Há uma série de normas que tratam sobre o mesmo assunto e que conviverão sadiamente com a nova lei. Posso enumerar algumas, como o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet, Decreto do Comércio Eletrônico, Lei do Cadastro Positivo, entre outras normas setoriais.

Ou seja, a atenção dada à LGPD passa a ser uma ilusão se não atentarmos para todo o universo normativo que regula o tratamento de dados pessoais. O que por sua vez acaba por representar um risco jurídico para os negócios. Onde quero chegar? O meu ponto é que estando a LGDP em vigor ou não, já há necessidade de as empresas colocarem seus processos que envolvam tratamento de dados pessoais em conformidade.

Segundo. A pandemia tirou muitas empresas da “procrastinação digital”. Não foi um “empurrãozinho”, foi um grande incentivo, e para muitos foi questão de sobrevivência. Este movimento implicou na adoção de práticas que envolvem uma maior coleta de dados pessoais. Seja através de app’s próprios ou de terceiros, sites e páginas em redes sociais, e até mesmo aplicativos como Whatsapp e Telegram.

Todas essas ações levam à uma maior exposição da empresa. Pois este “boom” de negócios digitais e digitalizados que estamos vivendo também atrai os olhos de criminosos que exploram fragilidades nesses sistemas para roubar dados e praticar alguns atos ilícitos. A conformidade com as normas de proteção de dados pessoais implica necessariamente na adoção de medidas de segurança da informação também.

Ao fim e ao cabo, concluímos que: o tratamento de dados pessoais é essencial para os negócios, seja para desenvolver ou melhorar projetos; para sobreviver à pandemia e se manter no futuro pós-pandemia, é preciso gerar confiança dos seus clientes. Esta confiança passa pela adoção de medidas de segurança da informação e pela implementação de programas de governança de dados pessoais alinhados às normas protetivas de dados pessoais.

Dr. Cláudio Roberto Santos
OAB/MG – n° 93.772

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Telemedicina: Desafios Jurídicos e Oportunidades

Por possibilitar a assistência em saúde de maneira remota, mediante a utilização de ferramentas interativas de comunicação audiovisual e de dados, a Telemedicina ganhou notoriedade durante a pandemia da Covid-19. Inquestionavelmente, a realização de consultas e cuidados médicos à distância contribuiu para repensarmos a forma de prestação de serviços na área da saúde, sobretudo em relação às inúmeras oportunidades e desafios que circundam o tema.

Chao Lung When, Professor Associado e Coordenador Geral da Disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, ressalta os benefícios da utilização das modernas tecnologias de comunicação para a prestação dos serviços médicos, afirmando que “uma das principais potencialidades da Telemedicina é sua capacidade de aumentar os relacionamentos de confiança entre profissionais de saúde, pacientes e seus familiares”. Nesse sentido, defende que os sistemas de saúde, públicos ou privados, possuem a oportunidade de universalizar a prestação dos serviços através das ferramentas de comunicação, garantindo o monitoramento contínuo e a prevenção de doenças, com efetivo acompanhamento domiciliar.

As operadoras de planos saúde, por sua vez, também podem ser beneficiadas pela cobertura dos serviços prestados através da Telemedicina, na medida em que a cobertura dos procedimentos representa um diferencial competitivo em seus portfólios e, em última análise, contribui para a qualidade e otimização do cuidado em relação a seus beneficiários.

Por outro lado, vislumbra-se que o avanço da Telemedicina no Brasil e a manutenção dessa ferramenta pelos profissionais da saúde dependem da superação de desafios éticos e jurídicos, reflexos da ainda incipiente regulamentação existente sobre a atividade.

A própria evolução normativa do tema pelo Conselho Federal de Medicina demonstra que há grandes controvérsias. Do ponto de vista ético, a Telemedicina foi regulamentada pela primeira vez no Brasil em 2002, por meio da Resolução nº 1.643/2002 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que fixou breves orientações para o seu exercício, autorizando apenas o suporte diagnóstico e terapêutico por médicos que emitem laudos à distância, em casos de emergência ou quando solicitado pelo profissional responsável pelo paciente.

Apenas em 2019 foi publicada a Resolução CFM nº 2.227/18, que buscou prever efetivos critérios para a prática no país, autorizando e regulamentando a prática da Teleconsulta (consulta médica remota), importante vertente da Telemedicina. Contudo, em razão do significativo número de propostas para alteração por entidades de saúde de todo o país, referida normativa foi revogada pouco tempo depois de sua publicação, sendo a antiga Resolução CFM n.º 1.643/2002 reestabelecida.

Em que pese o retrocesso normativo, com a eclosão da crise sanitária causada pelo Coronavírus no ano de 2020 e a inafastável necessidade de distanciamento social, mostrou-se imprescindível a adoção de medidas para regulamentação da Telemedicina em caráter emergencial. Não por outra razão foi editada a Portaria nº 467 do Ministério da Saúde, que, em consonância com a Lei nº 13.989/20, autoriza temporariamente os procedimentos médicos à distância no Brasil.

Nessa toada, também foram constatadas importantes deliberações em âmbito regulatório. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Nota Técnica Nº 7/2020/GGRAS/DIRAD-DIPRO/DIPRO, recomendou à Diretoria Colegiada do órgão que se posicione a favor da cobertura obrigatória de qualquer teleconsulta médica, não sendo necessária a atualização do rol das coberturas obrigatórias às operadores de plano de saúde, previsto pela RN nº 428/2017 (ANS).

Por conseguinte, evidencia-se que o cenário de crise causado pela Covid-19 impulsionou a implementação da Telemedicina na prática diária dos profissionais de saúde, sendo inquestionável a tendência de manutenção das ferramentas na prestação de serviços médicos, notadamente para a realização de Teleconsultas. Outrossim, em razão das controvérsias supra abordadas, é necessário que reconheçamos a importância da regulamentação da prática, do ponto de vista ético e legal, para além da situação emergencial de crise causado pelo vírus da Covid-19, consolidando de forma permanente a utilização das ferramentas interativas na realização de procedimentos médicos.

Por óbvio, ressalta-se que a regulamentação implica na construção de parâmetros éticos e limites jurídicos para a Telemedicina, sendo fundamental a adoção de cuidados, tais como a exigência de prévia autorização do paciente por meio de um termo de consentimento informado, livre e esclarecido; a realização de telediagnóstico apenas por médico especialista; o zelo no tratamento de dados pessoais dos pacientes, dentre outros.

Em síntese, é primordial que a legislação acompanhe as mudanças e o desenvolvimento das tecnologias aplicáveis à área da saúde, identificando dificuldades, falhas, riscos e propondo soluções éticas e jurídicas para a utilização e aprimoramento da Telemedicina. Trata-se de debate de suma relevância, que não pode ser mais adiado.

Fonte:

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Define e disciplina a telemedicina como forma de prestação de serviços médicos mediados por tecnologias. Resolução n. 2.227, de 6 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2227. Acesso em: 03 set. 2020.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Define e disciplina a prestação de serviços através da
Telemedicina. Resolução n. 1.643, de 26 de agosto de 2002. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643. Acesso em: 03 set. 2020.

When, Chao L. Telemedicina e Telessaúde valorizam a humanização da relação entre profissionais de saúde, pacientes e familiares. Disponível em: http://chaowen.med.br/artigos/telemedicina-e-telessaude-valorizam-a-humanizacao-da-relacao-entre-profissionais-de-saude-pacientes-e-familiares/. Acesso em: 04 set. 2020.

Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984
Valdemir Souto

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Questões Preliminares à Elaboração do Contrato Social

Sem pretensão de exaurir o tema, o presente artigo enfrenta questões preliminares à elaboração do contrato social para a sociedade limitada, buscando traçar suas cláusulas essenciais e explicitando recomendações jurídicas para nortear as decisões a serem tomadas pelos sócios.

As previsões contratuais necessárias aos contratos sociais estão em sua maioria dispostas no Código Civil, especialmente, mas não unicamente, em seu artigo 997, que fixa um rol de conteúdos que merecem tratamento no ato constitutivo da sociedade.

Um dos temas que merecem atenção diz respeito ao prazo de duração da sociedade (art. 997, inciso II, CC/2002). É importante mencionar que, no caso de o prazo ser indeterminado, a retirada do sócio poderá se dar mediante notificação dos demais, com antecedência mínima de sessenta dias, conforme art. 1.029, do Código Civil de 2002. Por outro lado, em caso de prazo determinado, o sócio retirante deverá provar judicialmente justa causa, consequência que deve ser cuidadosamente avaliada antes da constituição.

Uma vez definido o prazo de duração, o contrato deverá mencionar o capital social da sociedade, estabelecendo “a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la” (art. 997, inciso IV, do Código Civil). Quanto ao modo de integralizar as quotas, vale ressaltar que pode ser feita de diversas formas: com bens – móveis ou imóveis, materiais ou imateriais –, dinheiro, entre outras. Na sociedade empresária limitada, porém, não se admite a contribuição em serviços, conforme previsão expressa do art. 1.055, § 2.º, do Código Civil: “é vedada a contribuição que consista em prestação de serviços”, enquanto nas sociedades simples há essa prerrogativa.

Registre-se que também não poderá ser indicada como forma de integralização do capital a sua realização com “lucros futuros que o sócio venha a auferir na sociedade”, conforme previsão do Anexo II da Instrução Normativa 38/2017 do DREI (item 1.2.10.6), visto que os resultados incertos retiram o caráter compromisso dessa prestação.
Seguindo a análise das cláusulas essenciais, o art. 997, do Código Civil, determina, ainda, que cabe ao contrato social estabelecer “as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições”.
Vale ressaltar que a atividade do administrador é personalíssima, não podendo outrem exercer suas funções (CRUZ, 2020). Nesse sentido, de acordo com o que dispõe o Código Civil em seu art. 1.060, a sociedade limitada “é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado”, às quais cabe, privativamente, o uso da firma ou da denominação social, ou seja, a possibilidade de atuar em nome da sociedade, exercendo direitos e assumindo obrigações (art. 1.064).

Dessa forma, para que um sócio possa adquirir o poder de administração da sociedade, deverá haver ato que o nomeie, precedido de deliberação assemblear.
Outro ponto primordial a ser traçado no contrato social diz respeito aos poderes e atribuições que podem ser exercidos pelos administradores. Isso porque, caso o contrato social silencie a esse respeito, aplicar-se-á as disposições do Código Civil, que prevê os poderes gerais de administração (art. 1.015, CC/2002).
Assim, caso seja vontade dos sócios delimitar os atos de gestão que podem ser praticados pelo administrador, deve haver cláusula específica constante em contrato social.

Tal delimitação de responsabilidade mostra-se relevante no que concerne à responsabilidade da sociedade limitada e do administrador por atos “ultra vires”. Nesse sentido, para maior proteção, recomenda-se que seja garantida publicidade da limitação de poderes, tendo em vista que pelo inciso II do art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil fica estabelecido que a sociedade não responderá pelos atos com excesso de poderes dos seus administradores “provando-se que a limitação de poderes era conhecida do terceiro”.

Por fim, cumpre ressaltar o importante tema que merece tratamento específico no contrato social, em que pese a ausência de menção no rol fixado pelo art. 997, do Código Civil: as consequências em caso de falecimento dos sócios.

Tal recomendação justifica-se pois, em caso de omissão, aplicar-se-á a regra prevista no art. 1.028, do Código Civil de 2002, a qual prevê a liquidação de suas quotas e a dissolução parcial da sociedade, contando com apuração de seus haveres e subsequente pagamento do valor devido para seus herdeiros.
Por isso, sendo vontade da sociedade adotar consequências distintas para o falecimento de um dos sócios, é necessário mencionar de forma clara e específica no contrato social.

Em síntese, verifica-se a importância do enfrentamento de questões preliminares à elaboração do contrato social, de forma a garantir maior segurança à relação contratual a ser firmada entre as partes, prevendo possíveis riscos e assegurando a adequação do instrumento constitutivo.

Atenta-se, nesse sentido, para a importância de uma assessoria jurídica especializada no momento de preparação de uma sociedade, de forma que as consequências de cada decisão dos sócios sejam previamente informadas, possibilitando, assim, que o contrato social da empresa reflita a vontade e as expectativas de seus integrantes.

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm . Acesso em: 27 jun. 2020

Cruz, André Luiz Santa. Direito empresarial: volume único / André Luiz Santa Cruz Ramos. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 138.

Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984

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O debate sobre o condômino antissocial

Em relação à aplicação das multas previstas nos artigos 1.336 e 1.337, do Código Civil, há entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que a reiteração no inadimplemento dos débitos condominiais caracteriza o condômino como nocivo ou antissocial, devendo ser aplicadas as penalidades pecuniárias cabíveis.
Antes de compreender-se a decisão em si, faz-se necessário entender do que se tratam as multas dos artigos mencionados. Veja-se:

Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
§ 1 o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
§ 2 o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.

Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Infere-se que, conforme mencionado em textos anteriores, existem obrigações necessárias aos condôminos, às quais pressupõem um direito subjetivo correspondente. Assim, sua violação incorre, diretamente, em multa prevista pela própria legislação.

O que se debate em tais decisões é a eficácia da multa prevista e outras sanções não antecipadas pelo legislador poderiam ser aplicadas. Nesse contexto, observa-se a decisão:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.247.020 – EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS artigos 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. De acordo com o artigo 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.
2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração.
3. A aplicação da sanção com base no artigo 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos.
4. A multa prevista no § 1º do artigo 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo artigo 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos.
5. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Raul Araújo dando provimento ao recurso especial, divergindo do relator, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e dos Ministros Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi acompanhando o relator, a Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Vencido o Ministro Raul Araújo, que dava provimento ao recurso especial. (Brasília – DF, Julgado em 15/10/2015, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão).

Assim, o Tribunal compreendeu que a reiteração de multas poderá ser considerada como comportamento nocivo do condômino, levando-o a incorrer na sanção prevista no artigo 1.337.
Ocorre que, o comportamento antissocial do condômino se verifica no parágrafo do artigo 1.337, levando a debates sobre o que de fato ele representaria, conforme transcrito a seguir:
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

O legislador deixou, portanto, em aberto, o conceito de comportamento antissocial, levando a diversas interpretações pela doutrina e pela jurisprudência. Os debates não se encerram quanto o seu conteúdo, mas se estendem para os limites da aplicação de sansões diversas àquelas trazidas pela lei, chegando ao ponto de se considerar a possibilidade de expulsão do condômino pelo seu comportamento nocivo.
Em relação à possibilidade dessa aplicação de penalidades diversas das multas pecuniárias, notadamente a expulsão do condômino antissocial, cumpre informar que não há entendimento jurisprudencial pacificado, sendo possível encontrar decisões favoráveis e desfavoráveis ao cabimento de outros tipos de sanções nos Tribunais Estaduais. Contudo, deve ser considerado que muitos tribunais já vêm defendendo tal possibilidade, dependendo da gravidade e reiteração das condutas por ele apresentadas.

Dra. Luíza Athouguia Abdalla
OAB/MG – n° 200.947

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Ideias e propostas para o “novo normal” nas relações trabalhistas home office ≠ teletrabalho

Mesmo diante das atuais consequências nefastas da pandemia do novo coronavírus COVID-19, ainda repercutindo não só nas vidas de dezenas de milhares de brasileiros, mas também nas próprias formatações de modelos trabalhistas e sociais, o empresariado brasileiro já ensaia projetos para o futuro pós pandemia.

Naturalmente, quando se imagina o “novo normal” no cenário trabalhista é inevitável não considerar as recentes experiências trabalhistas apresentadas originalmente pelas Medidas Provisórias 927 e 936, pois elas trouxeram à tona uma flexibilização e uma redução de burocracias a muito tempo desejada pelo setor produtivo.

Apesar dos institutos do home office e do teletrabalho já existirem no contexto nacional antes mesmo da pandemia e das apontadas Medidas Provisórias, é no atual cenário de distanciamento social como política primordial de combate à disseminação do coronavírus que os institutos ganham protagonismo, mesmo quando se fala das empresas assim compreendidas como conservadoras.

Mas afinal, é possível utilizar o home office ou o teletrabalho mesmo sem as Medidas Provisórias editadas para o período de pandemia? Como implemento essas modalidades na minha empresa? E, finalmente, home office e teletrabalho são a mesma coisa?

Home office: é a modalidade de trabalho mais próxima ao conceito de FLEXIBILIDADE E EVENTUALIDADE, pois ao contrário do teletrabalho formal, a prestação de serviços não precisa se dar preponderantemente fora das dependências da empresa, isto é, geralmente esta modalidade se aplica a dias de semana flexíveis ou são vinculados a alguma ordem de tarefas que podem ser desempenhadas fora da sede do trabalho, ou até mesmo em casos de medida emergencial, como no caso de enchentes, greve no transporte público ou, como atualmente se dá, como prevenção contra o novo coronavírus.

O home office, como a própria tradução indica, é realizado na própria casa ou domicílio do funcionário, desde que seja um local adequado, com a privacidade e a segurança exigidas pelo serviço, mediante a utilização de tecnologias de informação e de comunicação.

O objetivo dessa modalidade de trabalho é melhorar a qualidade de vida do funcionário, em razão da sua autonomia para gerenciar seu tempo para a execução das atividades laborativas em domicílio, com reflexo positivo na produtividade.

Para a sua implantação, não se faz necessário acordo individual formal, todavia, contudo, indica-se que a empresa monte um relatório/política de medidas e pautas a serem seguidas pelo funcionário, requisitando do mesmo que siga o regulamento próprio.

Teletrabalho: é um mecanismo formal e típico, introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) que, por sua vez, regulamentou o trabalho exercido fora das dependências da empresa, inserindo uma série de regras que devem ser observadas pela empresa e pelo empregado.

Letra da lei (CLT Art. 75-B): “(…) prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com utilização de tecnologias de informação e comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)”
Para a implantação do teletrabalho, são exigidos uma série de requisitos devidamente elencados nos artigos 75-A a 75-E da CLT, tais como:

a) a necessidade de anuência do trabalhador por meio de acordo individual escrito (ou de aditivo contratual);
b) para a conversão de teletrabalho para trabalho tradicionalmente presencial, não é necessário a mesma anuência do trabalhador. Lembrando que o art. 75-C § 2º da CLT garante que o prazo de transição mínimo do regime de teletrabalho para o presencial se dê em 15 (quinze) dias, com correspondente registro em aditivo contratual.
c) que o acordo individual contenha disposições relativas à aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para a prestação do trabalho (art. 75-D da CLT);
d) que seja expressamente acordado a existência ou não de reembolso de despesas incorridas para a prestação dos serviços em tal modalidade, tais como um auxílio próprio que vise custear parte de energia elétrica, internet de qualidade, fundo para manutenção dos aparelhos tecnológicos, etc;
e) As regras de saúde e segurança do trabalho serão mantidas entre empregado e funcionário, ou seja, tanto o empregado se responsabiliza pelo atendimento às regras de saúde e segurança do trabalho, sobretudo a de ergonomia e os de intervalos periódicos (os intervalos só serão controláveis caso a empresa instale mecanismo de controle de jornada), como a empregadora compromete-se em fiscalizar a boa prática dessas medidas pelos teletrabalhadores;

Como regra geral, o teletrabalho dispensa controle formal de jornada do empregado, ou seja, não é possível nesta modalidade de trabalho o direito ao adicional de horas extras, intervalo intrajornada, interjornada, dentre outros, já que o empregado, em regra, controla sua jornada. Existe a exceção, caso fique caracterizado o efetivo controle de jornada por parte da empresa.

Alguns dos benefícios às empresas que pretendem implantar o teletrabalho:
I – Redução de Custos: sobretudo o de deslocamento, incluindo a exclusão do risco de um acidente de trabalho pelo famigerado conceito de acidente de trajeto.
II – Aumento da produtividade e exclusão de horas extras;
III – Flexibilidade de prever o contrato com ou sem controle de jornada;
IV – Possibilidade de negociar um auxílio alimentação reduzido com o Sindicato da Categoria em virtude da nova modalidade de trabalho;
V – Diferentes modalidades possíveis de teletrabalho: teletrabalho desenvolvido na casa do teletrabalhador; teletrabalho no centro-satélite de teleserviços, localizados em um edifício ou parte deste, onde o teletrabalhador irá desenvolver suas atividades laborativas, sendo este local de fácil acesso, pois será mais próximo de sua residência; teletrabalho internacional, desenvolvido fora do país de origem da empresa, geralmente, na casa do teletrabalhador, onde possui flexibilização de horário neste ambiente; teletrabalho para central de atendimento de serviço “Call Center”, desenvolvido para centralizar o recebimento de solicitações para soluções de problemas.

Dr. Guilherme de Castro
OAB/RJ – n° 208.219

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Decisões gerais sobre relações condominiais

Decisões importantes do STJ relativo aos condomínios:

Decisões gerais sobre relações condominiais

Conforme visto em momentos anteriores, as relações condominiais são complexas e envolvem a convivência diária de pessoas, envolvendo tanto espaços privados, quando espaços em comuns. Diante disso, acabam surgindo situações que não foram completamente previstas pelo legislador, ficando a cargo dos tribunais se manifestarem sobre temas que são de alta recorrência, mas que não se tem correspondência específica na legislação.

Destaca-se, neste momento, algumas decisões que possuem grande relevância dentro do contexto dos condomínios.
De saída, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que animais de estimação, desde que inofensivos, não podem ser proibidos nas unidades individuais de um condomínio, conforme ementa colacionada a seguir:

RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ANIMAIS. CONVENÇÃO. REGIMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio.
3. Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964.
4. Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade.
5. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio.
6. Na hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores.
7. Recurso especial provido.
(RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.076 – DF (2018/0229935-9) RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. JULGADO EM 14 DE MAIO DE 2019.)

Ressalta-se que na decisão, o STJ entendeu que existe uma ponderação a ser considerada, a saber a convenção de condomínio e o direito de proprietário de cada unidade. Assim, não significa que qualquer tipo ou comportamento de animal de estimação será aceito. Contudo, a vedação deverá considerar a espécie de animal na propriedade, bem como o comportamento deste nas suas dependências.

Cumpre, ainda, mencionar a recente decisão proferida pelo Superior tribunal de Justiça, no REsp 1.699.022, no qual declarou-se a ilicitude em coibir o condômino inadimplente de utilizar as áreas comuns do condomínio. Nesse contexto, trata-se da ilicitude da proibição de uso de áreas comuns no que concerne ao não pagamento das taxas condominiais. É o que depreende-se da ementa colacionada:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. REGULAMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO DE USO DE ÁREA COMUM, DESTINADA AO LAZER, POR CONDÔMINO INADIMPLENTE E SEUS FAMILIARES. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL.
1. No condomínio edilício, o titular da unidade autônoma, cotitular das partes comuns, exerce todos os poderes inerentes ao domínio, mas, em contrapartida, sujeita-se à regulamentação do exercício destes mesmos direitos, em razão das necessidades impostas pela convivência em coletividade
2. O Código Civil, ao estabelecer um regramento mínimo sobre o condomínio edilício (arts. 1.332 e 1.334), determinou que a convenção deverá definir, entre outras cláusulas, “as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores” (art. 1.334, IV, do CC), tendo como contraponto, para tal mister, os deveres destes.
3. Segundo a norma, é direito do condômino “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores” (CC, art. 1.335, II). Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, têm os condôminos o direito de usar e gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum.
4. É ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores.
5. O legislador, quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino, em razão da ausência de pagamento, o fez expressamente (CC, art. 1.335). Ademais, por questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa. Documento: 97767070 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 01/07/2019 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça
6. O Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino inadimplente: a) ficará automaticamente sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, ao de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito (§ 1°, art. 1.336); b) o direito de participação e voto nas decisões referentes aos interesses condominiais poderá ser restringido (art. 1.335, III); c) é possível incidir a sanção do art. 1.337, caput, do CC, sendo obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração; d) poderá haver a perda do imóvel, por ser exceção expressa à impenhorabilidade do bem de família (Lei n° 8.009/90, art. 3º, IV).
7. Recurso especial provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com ressalvas de entendimento do Ministro Antonio Carlos Ferreira, Ministra Maria Isabel Gallotti e Ministro Marco Buzzi. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília – DF, Julgado em 28/05/2019, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão).

Observa-se, aqui, no entanto, que a presente decisão trata de sanção ao inadimplemento apenas dentro da seara pecuniária, devendo estar restritas às hipóteses legais: cobranças administrativas e judiciais, restrição ao direito de voto, bem como a possibilidade de perda do imóvel pela exceção da impenhorabilidade de bem de família.

Dra. Luíza Athouguia Abdalla
OAB/MG – n° 200.947

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