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O direito à proteção dos dados pessoais como direito fundamental autônomo na Constituição Federal de 1988

Com o presente estudo pretende-se analisar a razoabilidade da inclusão do direito à proteção de dados pessoais como direito fundamental no rol do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CFRB/88), por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 17/2019).

A discussão primordial sobre o assunto é a natureza jurídica do direito à proteção de dados pessoais no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista a era da informação que vivemos atualmente, com a coleta de dados em massa (Big Data) e a recente regulamentação do tratamento de dados e dos impactos destes.

Em primeiro momento, pode-se considerar que o direito à proteção de dados decorre do direito fundamental à privacidade, assegurado pelo art. 5º, X, da CFRB/88[1],que prevê a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

No entanto, importante averiguar se tal norma contempla, de forma satisfatória, o direito à proteção de dados pessoais, uma vez que o contexto atual revela uma série de desafios, especialmente no âmbito digital, que ensejam a regulamentação específica sobre o tratamento dos dados.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD nº 13.709/18[2]) entrou em vigor no ano de 2020, com o intuito de cumprir o dever de prestação normativa do Estado, de forma a antever e regulamentar situações que possam ferir os dados pessoais e o direito fundamental à privacidade, na mesma linha do que vem ocorrendo no direito europeu e no direito norte-americano.

Nesse cenário, surge o debate acerca da necessidade de inclusão do direito à proteção de dados pessoais como direito fundamental autônomo, o que ensejou a proposta de emenda constitucional (PEC nº 17/2019), que tem como fundamento a “Era informacional” que vivemos e a necessidade de regular juridicamente o tratamento de dados do cidadão, principalmente ao vislumbrar os danos que podem ser gerados pela má-utilização desses dados. Assim, nas razões de justificação da proposta de emenda constitucional, consta que “já se vislumbra, dadas as suas peculiaridades, uma autonomia valorativa em torno da proteção de dados pessoais, de maneira, inclusive, a merecer tornar-se um direito constitucionalmente assegurado” [3].

Nesse cenário, quanto à inclusão do direito à proteção de dados pessoais no rol dos direitos fundamentais como direito fundamental autônomo, um entendimento possível é pela desnecessidade, por se tratar, em primeira análise, de norma de caráter fundamental já abarcada por outra norma fundamental, especificamente o direito à privacidade.

Além disso, tal previsão poderia ser considerada prescindível, diante da equiparação promovida pelo §2º do art. 5º da CFRB/88[4] e pela regulamentação específica advinda da LGPD.

Por outro lado, é importante analisar que, tratando-se de direito fundamental, ainda que haja outra norma que a abarque (direito à privacidade), bem como a possibilidade de equiparação, o ordenamento jurídico brasileiro busca evitar a existência de lacunas, o que fora expresso pela Lei de Introdução às normas do direito brasileiro (LINDB)[5], revelando-se mais adequada a previsão expressa do direito na CFRB/88.

Sob esta ótica, preza-se por evitar lacunas que possam abrir margens a interpretações e discussões sobre o status constitucional ou não do direito, o que pode retirar o foco da própria efetivação da norma. Assim, a inclusão do direito à proteção de dados pessoais no rol do art. 5º da CFRB/88, somada à regulamentação específica advinda da LGPD, asseguram o exercício deste, que consiste tanto no direito à não-afetação (prestação negativa)[6] quanto no direito à prestação positiva normativa[7].

Conclui-se que a atribuição do status de norma fundamental se revela mais adequada, pois, em eventual situação de conflito com outro direito fundamental, deve ser observada a proporcionalidade em sentido estrito[8], com a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, conforme proposto por Robert Alexy.

Por fim, importante salientar que a proposta de emenda constitucional objeto deste estudo, que aguarda a promulgação, faz menção expressa à proteção dos dados no meio digital, o que se considera um avanço significativo, de forma a adequar o contexto jurídico brasileiro, agora em âmbito constitucional, à era digital que vivemos e aos desafios decorrentes desta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Suporte Fático dos direitos fundamentais e restrições a esses direitos. In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. 5ª edição. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 301-332.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). Acesso em: 6. dez. 2021.

BRASIL. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Brasília, DF: Presidência da República, [1942]. Disponível em: Del4657compilado (planalto.gov.br). Acesso em: 6 dez. 2021.

BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados nº 13.709/18. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: L13709 (planalto.gov.br). Acesso em: 6 dez.2021.

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 43, de 2019. Altera o art. 5º da Constituição Federal, para acrescentar o inciso XII-A, ao art. 5º, e o inciso XXX, ao art. 22, da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão e fixar a competência privativa da União para legislar sobre a matéria. Brasília, DF: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7925004&ts=1636396014097&disposition=inlin. Acesso em 6.dez.2021.

[1] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). Acesso em: 6. dez. 2021.

[2] BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: L13709 (planalto.gov.br). Acesso em: 6.dez.2021.

[3] BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 43, de 2019. Altera o art. 5º da Constituição Federal, para acrescentar o inciso XII-A, ao art. 5º, e o inciso XXX, ao art. 22, da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão e fixar a competência privativa da União para legislar sobre a matéria. Brasília, DF: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7925004&ts=1636396014097&disposition=inlin. Acesso em 6.dez.2021.

[4] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). Acesso em: 6. dez. 2021.

[5] “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” BRASIL. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Brasília, DF: Presidência da República, [1942]. Disponível em: Del4657compilado (planalto.gov.br). Acesso em: 6 dez. 2021.

[6] ALEXY, Robert. Suporte Fático dos direitos fundamentais e restrições a esses direitos. In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 301-332.

[7] Direitos a ações positivas normativas são direitos a atos estatais de criação de normas. […] Um outro exemplo é o direito de um titular do direito fundamental à liberdade científica “àquelas medidas estatais, também de caráter organizacional, que sejam imprescindíveis para a proteção de sua esfera de liberdade constitucionalmente protegida” (pág.202). ALEXY, Robert. Direitos a ações positivas. In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 201-203.

[8] “Uma das teses centrais da “Teoria dos Direitos Fundamentais” é a de que essa definição implica a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas parciais – as máximas da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito -, e que a recíproca também é válida, ou seja, que da máxima da proporcionalidade decorre logicamente o caráter principiológico dos direitos fundamentais. Essa equivalência significa que as três máximas parciais da máxima da proporcionalidade definem aquilo que deve ser compreendido por “otimização” na teoria dos princípios”. ALEXY, Robert. Discricionariedade estrutural e sopesamento (pág. 588). In: ALEXY, Robert; Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores. 2008. p. 584-611.

Juliana Costa Martins
OAB/MG 192.789

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