Projeto de Lei n.º 1998/2020: quais são as possíveis alterações na regulamentação da Telemedicina?
Em 27 de abril de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n.º 1988 de 2020, que regulamenta a prática da telemedicina e estabelece os parâmetros para o atendimento remoto no país. O projeto, que agora tramita para aprovação pelo Senado Federal, busca atender à expectativa de uma legislação adequada aos avanços da tecnologia, notadamente diante do crescimento da realização de teleconsultas em decorrência da pandemia causada pelo vírus da Covid-19.
Cumpre ressaltar que, antes da edição da Lei n.º 13.989/20, a qual regulamentou o atendimento de pacientes à distância durante a pandemia, o Conselho Federal de Medicina (CFM) assumia o protagonismo na definição de parâmetros éticos relacionados à Telemedicina. O primeiro instrumento normativo a tratar do tema no Brasil foi a Resolução do CFM nº 1.643/2002, que fixou breves orientações para o seu exercício, autorizando apenas o suporte diagnóstico e terapêutico por médicos que emitem laudos à distância, em casos de emergência ou quando solicitado pelo profissional responsável pelo paciente.
Apenas em 2019 foi publicada a Resolução CFM nº 2.227/18, que buscou prever efetivos critérios para a prática no país, autorizando e regulamentando a prática da Teleconsulta (consulta médica remota), importante vertente da Telemedicina. Contudo, em razão do significativo número de propostas para alteração por entidades de saúde de todo o país, referida normativa foi revogada pouco tempo depois de sua publicação, sendo a antiga Resolução CFM n.º 1.643/2002 reestabelecida.
Com a eclosão da crise sanitária causada pelo Coronavírus no ano de 2020 e a inafastável necessidade de distanciamento social, mostrou-se imprescindível a adoção de medidas para regulamentação da Telemedicina em caráter emergencial, o que motivou a aprovação da Lei n.º 13.989/20. Porém, os avanços das tecnologias e dos atendimentos realizados pela via remoto durante a pandemia também conduziram à necessidade de uma legislação que pudesse regulamentar a prática para além do período emergencial, definitivamente incorporando a Telemedicina na rotina de saúde no Brasil.
Nesse contexto, o Projeto de Lei n.º 1998/2020 pretende alterar a Lei n.º 8.080/1990 para incluir capítulo destinado à Telessaúde, contendo importantes alterações que têm promovido intensas discussões entre parlamentares e entidades médicas de todo o país.
Em primeiro lugar, o texto original prevê ampla autonomia do profissional e paciente para estabelecer o meio de realização da primeira consulta, atendimento ou procedimento, tornando prescindível a realização da primeira consulta em caráter presencial. Do ponto de vista da relação médico-paciente, a medida é alvo de intensas críticas, em razão da importância do contato inicial presencial para reforçar a confiança no profissional para a condução do tratamento médico.
Outra importante discussão diz respeito aos valores atribuídos a consultas em modalidade remota, e da possível precarização do atendimento em virtude da cobrança de preços demasiadamente inferiores. Com efeito, o atendimento presencial implica em custos maiores relacionados à estrutura do atendimento, porém a redução do valor dos procedimentos da telessaúde não pode implicar em desvalorização dos serviços por pacientes e planos de saúde, sob pena da precarização do atendimento.
Por fim, outro ponto de conflito previsto no Projeto de Lei refere-se à limitação da atuação do Conselho Federal de Medicina (CFM), principal órgão regulamentador da atividade médica e que, por conseguinte, possui papel altamente relevante na definição de diretrizes éticas de atendimento. Com efeito, algumas previsões do texto legal poderão contrariar preceitos éticos consolidados e reafirmados pela entidade reguladora, tais como a relação médico-paciente, as diretrizes éticas para realização de um diagnóstico e realização de procedimentos.
Desse modo, em que pese a inafastável presença cada vez maior de novas tecnologias e o crescimento da Telemedicina, e a necessária adequação legal para incorporação dos atendimentos remotos, é necessário olhar cauteloso para as diretrizes previstas pelo PL n.º 1998/2020 e o fomento das discussões relacionadas ao tema, o qual merece estar ancorado em princípios éticos sólidos e consolidados.
Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984