Rol Taxativo ou Exemplificativo: entenda os efeitos do julgamento do STJ sobre o rol de cobertura mínima obrigatória da ANS
Na última quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou o julgamento que pretende decidir se o rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é exemplificativo ou taxativo. O caso é julgado pelo EREsp 1886929/SP e EREsp 1889704/SP, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, e considerado um dos mais importantes para o setor de saúde suplementar.
Para melhor compreensão do tema, cumpre ressaltar que a Constituição Federal de 1988, nos artigos 198 e 199, consagra o Sistema Único de Saúde (SUS) como responsável pelas ações e serviços públicos de saúde, possibilitando, em caráter suplementar, a assistência pela iniciativa privada através Operadoras de Planos de Saúde ou Seguros Privados de Saúde.
Diante da relevância do dever constitucional de promoção à saúde, a Lei n.º 9.961, de 18 de janeiro de 2000, criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia especial federal que possui a finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, atuando como “órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde” (art. 1º, Lei n.º 9.961/2000).
Dotada de poder regulamentar, a ANS detém legitimidade para expedir atos normativos, com objetivo de conferir maior exequibilidade à legislação e, dessa forma, instrumentalizar com maior facilidade políticas públicas na área da saúde, tendo em vista que suas resoluções não se sujeitam a um processo legiferante moroso, o qual não se mostra capaz de acompanhar as inovações tecnológicas e as oscilações constantes do mercado financeiro.
Isto posto, a questão ora enfrentada pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede do EREsp 1886929/SP e do EREsp 1889704/SP, cinge-se à expedição de atos normativos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que definem o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, estabelecendo a cobertura assistencial obrigatória mínima a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde.
Por meio deste Rol, cuja última atualização ocorreu por meio da publicação da Resolução nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, a ANS determina os parâmetros mínimos de cobertura assistencial, respeitadas as segmentações, a área de atuação e de abrangência, sendo certo, porém, que as Operadoras de Planos de Saúde (OPS) podem oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde.
Em razão da definição conduzida pela Agência Reguladora, que subsidia e justifica negativas de cobertura por parte dos Planos de Saúde, a questão foi alvo de grande Judicialização, marcada pela reivindicação dos beneficiários de custeio dos tratamentos e eventos em saúde, ainda que não previstos em contrato firmado com a Operadora ou no Rol de Cobertura Obrigatória Mínima da ANS.
Em outras palavras, levantou-se o argumento de que o Rol fixado pela ANS não seria taxativo, isto é, não se restringiria aos eventos e procedimentos nele previstos, possuindo, portanto, caráter meramente exemplificativo, sujeito a acréscimos e ampliações de outros procedimentos.
Com base neste raciocínio, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a julgar abusivas as negativas de cobertura dos Planos de Saúde de tratamentos considerados apropriados para resguardar a saúde e a vida do paciente. Mais recentemente, porém, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sentido diametralmente oposto, vem adotando o entendimento de que o rol é taxativo e que, portanto, não seriam abusivas as negativas de procedimentos não incorporados pela ANS.
Diante das divergências, o STJ, por meio de sua 2ª Seção, buscará pacificar o assunto entre as Turmas e trazer um entendimento uniforme, no julgamento dos EREsp 1886929/SP e EREsp 1889704/SP, iniciado em setembro de 2021 com o voto do relator Ministro Luis Felipe Salomão.
Para o Ministro, a taxatividade do Rol da Agência Reguladora tem por finalidade a proteção dos beneficiários dos planos de saúde de aumentos excessivos nos valores contratados, tendo em vista que a exigência de cobertura de todo procedimento e evento médico pode onerar de forma substancial o setor de saúde suplementar. Em seu voto, porém, o relator defendeu a admissão de exceções, nas quais os planos seriam obrigados a cobrir procedimentos fora do rol, como no caso de terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) que possuam comprovada eficiência para tratamentos específicos. Também considerou possível a exceção para fornecimento de medicamentos relacionados ao tratamento do câncer e de prescrição off label – quando o remédio é usado para um tratamento não previsto na bula.
Após o voto do relator, a ministra Nancy Andrighi pediu vista e a discussão foi então retomada na última quarta-feira, dia 23/02/2022, com o voto da referida magistrada, que defendeu o caráter exemplificativo do rol, citando precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que a atuação das agências reguladoras deve ser compatível com a Constituição e com os limites legais, não cabendo à ANS estabelecer outras hipóteses de exceção da cobertura obrigatória pelo plano-referência.
Após o voto da relatora, porém, houve novo pedido de vista pelo Ministro Villa Bôas Cueva, o que levou à nova suspensão do julgamento, ainda sem data definida para retomada. Certo é, porém, que a decisão sobre o tema é de suma importância, diante dos seus possíveis efeitos para os beneficiários e para o equilíbrio econômico e financeiro das Operadoras. A análise econômica é especialmente relevante diante de um cenário de surgimento acelerado de tecnologias de alto custo em saúde, o que exige um esforço articulado entre Agência Reguladora, Operadoras, beneficiários e Poder Judiciário para prover elementos consistentes de avaliação das controvérsias conduzidas aos Tribunais.
Referências:
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS). Resolução da Diretoria Colegiada – RN n° 465, de 24 de fevereiro de 2021, Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde que estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e naqueles adaptados conforme previsto no artigo 35 da Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 02 de mar. 2021.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei n.º 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Brasília, DF, 28 jan. 2000
Dra. Letícia Agostinho Mouro
OAB/MG nº 200.984